sexta-feira, 3 de novembro de 2017

“Ainda assim me levanto” (“Still I Rise”), Maya Angelou


“Ainda assim me levanto” (“Still I Rise”), Maya Angelou

Você pode me inscrever na história
Com as mentiras amargas que contar
Você pode me arrastar ao pó,
Ainda assim, como pó, vou me levantar

Minha elegância o perturba?
Por que você afunda no pesar?
Porque eu caminho como se eu tivesse
Petróleo jorrando na sala de estar

Assim como a lua ou o sol
Com a certeza das ondas do mar
Como se ergue a esperança
Ainda assim, vou me levantar

Você queria me ver abatida?
Cabeça baixa, olho caído,
Ombros curvados como lágrimas,
Com a alma a gritar enfraquecida?

Minha altivez o ofende?
Não leve isso tão a mal
Só porque eu rio como se tivesse
Minas de ouro no quintal

Você pode me fuzilar com palavras
E me retalhar com seu olhar
Pode me matar com seu ódio
Ainda assim, como ar, vou me levantar

Minha sensualidade o agita
E você surpreso se admira
Ao me ver dançar como se tivesse
Diamantes na altura da virilha?

Das choças dessa história escandalosa
Eu me levanto
De um passado que se ancora doloroso
Eu me levanto
Sou um oceano negro, vasto irrequieto
Indo e vindo contra as marés eu me elevo
Esquecendo noites de terror e medo
Eu me levanto
Numa luz incomumente clara de manhã cedo
Eu me levanto
Trazendo os dons dos meus antepassados
Eu sou o sonho e a esperança dos escravos
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto

Tradução de Francesca Angiolillo

Voltamos!!!


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Ulisses e as sereias


Ulysse et les sirènes. Mosaïque du musée du Bardo - Tunis, 2me siècle.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Volta às aulas!




Sejam bem-vindos, alunos das turmas 1004 e 1005!!!



terça-feira, 24 de novembro de 2015

"A lamentável história dos namorados", Carlos Drummond de Andrade


A lamentável história dos namorados


Namorados, namorados,
não vos vejo mais alados,
sublimes, alcandorados
nos miríficos estados
de êxtases multiplicados
em horizontes dourados
de mundos ensolarados.
Estais casmurros, calados
entre carinhos cansados
e sonhos desanimados.
Que vos sucede, coitados?
Acaso foram arquivados
os projetos encantados,
alvo de finos cuidados,
pelos, dois armazenados?
Onde os férvidos agrados,
os toques maravilhados
de vossos dias passados?
Namorados, namorados,
deixai-nos desarvorados!

Diviso em vossos semblantes
sombras, traços inquietantes,
diversos dos crepitantes,
abertos e fulgurantes
sinais  festivos de antes.
Já não sois doces amantes,
não carregais, exultantes,
o suave peso de instantes
que pareciam diamantes
nos volteios elegantes
dos jogos inebriantes
e nos beijos delirantes
quando adultos são infantes
buscando refrigerantes
que em vez de serem calmantes
inda são mais excitantes.
Já não sois os bandeirantes
de descobertas faiscantes.
Diviso em vossos semblantes
amarguras humilhantes.

Chegou-me a resposta no ar,
após muito meditar
e livros mil consultar:
A inflação tentacular,
com guantes de arrebentar,
ferrou-vos na jugular.
Vosso anseio de morar
Em casinha à beira-mar
ou qualquer outro lugar
desfez-se no limiar.
A recessão de lascar
nem vos deixa respirar,
e de empregos, neste andar,
quem ousa mais cogitar?
Um pacote singular
de rigidez tumular
desaba no patamar
da pretensão de casar.
Chegou-me a resposta no ar:
não dá mais pra namorar.

(Carlos Drummond de Andrade. Amar se aprende amando (1985). In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 1285-6)

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

"Favelário nacional", Carlos Drummond de Andrade


Favelário nacional

À memória de Alceu Amoroso Lima, que me convidou a olhar para as favelas do Rio de Janeiro

1.Prosopopéia

Quem sou eu para te cantar, favela,
Que cantas em mim e para ninguém a noite inteira de sexta-feira
e a noite inteira de sábado
e nos desconheces, como igualmente não te conhecemos?
Sei apenas do teu mau cheiro: baixou em mim, na viração,
direto, rápido, telegrama nasal
anunciando morte... melhor, tua vida.
Decoro teus nomes. Eles
Jorram na enxurrada entre detritos
da grande chuva de janeiro de 1966
em noites e dias e pesadelos consecutivos.
Sinto, de lembrar, essas feridas descascadas na perna esquerda
chamadas   Portão Vermelho, Tucano, Morro do Nheco,
Sacopã, Cabritos, Guararapes, Barreira do Vasco,
Catacumba catacumbal tonitruante no passado,
e vem logo Urubus e vem logo Esqueleto,
Tabajaras estronda tambores de guerra,
Cantagalo e Pavão soberbos na miséria,
a suculenta Mangueira escorrendo caldo de samba,
Sacramento... Acorda, Caracol. Atenção, Pretos Forros!
O mundo pode acabar esta noite, não como nas Escrituras se estatui.
Vai desabar, grampiola por grampiola,
trapizonga  por trapizonga,
tamanco, violão, trempe, carteira profissional, essas drogas todas,
esses tesouros teus, altas alfaias.
Vai desabar, vai desabar
o teto de zinco marchetado de estrelas naturais
e todos, ó ainda inocentes, ó marginais estabelecidos , morrereis
pela ira de Deus, mal governada.

Padecemos este pânico, mas
o que se passa no morro é um passar diferente,
dor própria, código fechado: Não se meta,
paisano dos baixos da Zona Sul.

Tua dignidade é teu isolamento por cima da gente.
Não sei subir teus caminhos de rato, de cobra e baseado,
tuas perambeiras, templos de Mamalapunam  
em suspensão carioca.
Tenho medo de ti, sem te conhecer,
medo de só de te sentir, encravada
favela, erisipela, mal-do-monte
na coxa flava do Rio de Janeiro.

Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver
nem de tua manha nem de teu olhar.
Medo que sintas como sou culpado
e culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade.
Custa ser irmão,
custa abandonar nossos privilégios
e traçar a planta
da justa igualdade.
Somos desiguais
e queremos ser
sempre desiguais.
E queremos ser
bonzinhos benévolos
comedidamente
sociologicamente
mui bem comportados.
Mas favela, ciao,
que este nosso papo
está ficando tão desagradável.
Vês que perdi o tom e a empáfia do começo?


2. Morte gaivota

O bloco de pedra ameaça
triturar o presépio de barracos e biroscas.
Se deslizar, estamos conversados.
Toda gente lá em cima sabe disso
e espera o milagre
ou, se não houver milagre, o aniquilamento instantâneo,
enquanto a Geotécnica vai tecendo o aranhol de defesas.
Quem vence a partida? A erosão caminha
nos pés dos favelados e nas águas.
Engenheiros calculam. Fotógrafos
esperam a catástrofe. Deus medita
qual o melhor desfecho, senão essa
eterna expectativa de desfecho.

O morro vem abaixo esta semana
de dilúvio
ou será salvo por Oxosse?
Diáfana, a morte paira no esplendor
do sol no zinco.
Morte companheira. Morte,
colar no pescoço da vida.
Morte com paisagem marítima,
gaivota,
estrela,
talagada na manhã de frio
entre porcos, cabritos  e galinhas.
Tão presente, tão íntima que ninguém repara
 no seu hálito.
Um dia, possivelmente madrugada de trovões,
virá tudo de roldão
sobre nossas ultra, semi ou nada civilizadas cabeças
espectadoras
e as classes se unirão entre os escombros.


3. Urbaniza-se? Remove-se?

São 200, são 300
as favelas cariocas?
O tempo gasto em contá-las
é tempo de outras surgirem.
800 mil favelados
ou já passa de um milhão?
em barraco e a céu aberto,
novos seres se encomendam
ou nascem à revelia.
Os que mudam, os que somem,
os que são mortos a tiro
são logos substituídos.
Onde haja terreno vago,
onde ainda não se ergueu
um caixotão de cimento
esguio (mas vai erguer-se)
surgem trapos e tarecos,
sobe a fumaça de lenha
em jantar improvisado.

Urbaniza-se? Remove-se?
Extingue-se a pau e fogo?
Que fazer com tanta gente
Brotando do chão, formigas
de formigueiro infinito?
Ensina-lhes paciência,
conformidade, renúncia?
Cadastrá-los e fichá-los
para fins eleitorais?
Prometer-lhes a sonhada,
mirífica, róseo-futura
distribuição (oh!) de renda?
Deixar tudo como está
para ver como é que fica?
Em seminários, simpósios,
Comissões, congressos, cúpulas
de alta vaniloqüência
elaborar a perfeita
e divina solução?

Um som de samba interrompe
Tão sérias cogitações,
e a cada favela extinta
ou em vila transformada,
com direito a pagamento
de Comlurb, ISS, Renda,
outra aparece, larvar,
rastejante, desafiante,
de gente que nem a gente,
desejante, suspirante,
ofegante, lancinante.
O mandamento da vida
explode em riso e ferida.

4. Feliz

De que morreu Lizélia no Tucano?
De avalanche de lixo no barraco.
Em seu caixão de lixo e lama ela dormiu
o sono mais perfeito de sua vida.

5. O nome

Me chamam Bonfim. A terra é boa,
não se paga aluguel, pois é do Estado,
que não toma tenência dessas coisas
por enquantamente. Na vala escorre
a merda dos barracos. Tem verme
n’ água e n’ alma. A gente se acostuma.
A gente não paga nada para morar,
como ia reclamar?

6. Matança dos inocentes

Meu nome é Rato Molhado.
Meus porcos foram todos sacrificados
para acabar com a peste dos porcos .
Fiquei sem saúde e sem eles.
Uma por uma ou todas de uma vez
pereceram minhas riquezas. Em Inhaúma
sobram meus ratos incapturáveis.

7. Faz Depressa

Aqui se chama Faz Depressa
porque depressa se desfaz
a casa feita num relâmpago
em chão incerto, deslizante.
Tudo se faz aqui depressa.
Até o amor. Até o fumo.
Até, mais depressa, a morte.
Ainda mesmo se não se apressa,
a morte é sempre uma promessa
de decisão geral expressa.

8. Guaiamu

Viemos de Minas, sim senhor,
fugindo da seca braba lá do Norte.  
Em riba de cinco estacas fincadas no mangue
a gente acha que vive
com a meia graça de Deus Pai Nosso Senhor.
Diz-que isto aqui tem nome Nova Holanda.
Eu não dou fé, nem sei onde é Holanda velha.
Me dirijo à Incelência: isso é mar?
Mar, essa porcaria que de tarde
a onda vem e limpa mais ou menos,
e volta a ser porcaria, porcamente?
Vossa Senhoria ta pensando
que a gente passa bem de guaiamu
no almoço e na janta repetido?
Guaiamu sumiu faz tempo.
Aqui só vive gente, bicho nenhum
tem essa coragem.
Espia a barriga,
espia a barriga estufada dos meninos,
a barriga cheia de vazio,
de Deus sabe o quê.
Ele não podendo sustentar todo mundo
pelo menos faz inchar a barriga até este tamanho.


9. Olheiros

Pipa empinada ao sol da tarde,
sinal que polícia vem subindo.
Sem pipa, sem vento,
sem tempo de empinar,
o assovio fino vara o morro,
torna o corpo invisível, imbatível.


10. Sabedoria

Deixa cair o barraco, Ernestilde,
deixa rolar a encosta abaixo, Ernestilde,
deixa a morte vir voando, Ernestilde,
deixa a sorte brigar com a morte, Ernestilde.
Melhor que obrigar a gente, Ernestilde,
A viver sem competência, Ernestilde,
No áureo, remoto, mítico
– lúgubre 
conjunto habitacional.

11. Competição

Os garotos, os cães, os urubus
guerreiam em torno do esplendor do lixo.
Não, não fui eu que vi. Foi o Ministro
do Interior .


12. Desfavelado

Me tiraram do meu morro
me tiraram do meu cômodo
me tiraram do meu ar
me botaram neste quarto
multiplicado por mil
quartos de casa iguais.
Me fizeram tudo isso
para meu bem. E meu bem
ficou lá no chão queimado
onde eu tinha o sentimento
de viver como queria
no lugar que queria
não onde querem que eu viva
aporrinhado devendo
prestação mais prestação
da casa que não comprei
mas compraram para mim.
Me firmo, triste e chateado,
Desfavelado.


13. Banquete

Dia sim dia não, o caminhão
despeja 800 quilos de galinha podre,
restos de frigorífico,
no pátio do Matruco,
bem na cara do Morro da Caixa d’Água
e do Morro do Tuiuti.
O azul das aves é mais sombrio
que o azul do céu, mas sempre azul
conversível em comida.
Baixam favelados deslumbrados,
cevam-se no monturo.
Que morador resiste
à sensualidade de comer galinha azul? 


14. Aqui, ali, por toda parte

As favelas do Rio transbordam sobre Niterói
e o Espírito Santo fornece novas pencas de favelados.
O Morro do Estado ostenta sem vexame sua porção de miséria.
Fonseca, Nova Brasília (sem ironia)
Estão dizendo: “Um terço da população urbana
selou em nós a fraternidade de não possuir bens terrestres.”
 Os verdes suspensos da Serra em Belo Horizonte
envolvem de paisagem os barracos da Cabeça de Porco.
Se não há torneiras, canos de esgoto, luz elétrica,
e o lixo é atirado no ar e a enchente carrega tudo, até os vivos,
resta o orgulho de ter aos pés os orgulhosos edifícios  do Centro.
Belo Horizonte, dor minha muito particular.
Entre favelas e alojamentos eternamente provisórios de favelados expulsos
(pois carece mandá-los para “qualquer parte”, pseudônimo do Diabo),
São Paulo cresce imperturbavelmente em esplendor e pobreza,
com 20 mil favelados no ABC.
em Salvador, os alagados jungidos à última condição humana
colhem, risonhos, a chuva de farinha, macarrão e feijão
que jorra da visita do Presidente.
No Recife...
Quando se aterra o mangue
fogem os miseráveis para as colinas
entre dois rios. E tudo continua
com outro nome.


15. Indagação

Antes que me urbanizem a régua, compasso,
computador, cogito, pergunto, reclamo:
Por que não urbanizam antes
a cidade?
Era tão bom que houvesse uma cidade
na cidade lá embaixo.


16. Dentro de nós

Guarda estes nomes: bindoville, taudis, slum,
witch-town, sanky-tow,
callampas, cogumelos, corraldas,
hongos, barrio paracaidista, jacale,
cantegril, bairro de lata, gourbville,
champa, court, villa miseria,
favela.
Tudo a mesma coisa, sob o mesmo sol,
Por este largo estreito do mundo.
Isto consola?
É inevitável, é prescrito,
Lei que não se pode revogar
nem desconhecer?
Não, isto é medonho,
faz adiar nossa esperança
da coisa ainda sem nome
que nem partidos, ideologias, utopias
sabem realizar.
Dentro de nós é que a favela cresce
e, seja discurso, decreto, poema
que contra ela se levante,
não pára de crescer.

17. Palafitas

Este nasce no mangue, este vive no mangue.
No mangue não morrerá.
O maravilhoso Projeto X vai aterrar o mangue.
Vai remover famílias que têm raízes no mangue
e fazer do mangue área produtiva.
O homem entristece.
Aquilo é sua pátria,
aquele, seu destino,
seu lodo certo e garantido.


18. Cidade grande

Que beleza, Montes Claros.
Como cresceu Montes Claros.
Quanta indústria em Montes Claros.
Montes Claros cresceu tanto,
ficou urbe tão notória,
prima-rica do Rio de Janeiro,
que já tem cinco favelas
por enquanto, e mais promete.

19. Confronto

A suntuosa Brasília, a esquálida Ceilândia
contemplam-se. Qual delas falará
primeiro? Que tem a dizer ou a esconder
uma em face da outra? Que mágoas, que ressentimentos
prestes a saltar da goela coletiva
e não se exprimem? Por que Ceilândia fere
o majestoso orgulho da flórea Capital?
Por que Brasília resplandece
ante a pobreza exposta dos casebres
de Ceilândia,
filhos da majestade de Brasília?
E pensam-se, remiram-se em silêncio
as gêmeas criações do gênio brasileiro.

20. Gravura baiana

Do alto do Morro de Santa Luzia,
Nossa Senhora de Alagados, em sua igrejinha nova,
abençoa o viver pantanoso dos fiéis.
Por aqui andou o Papa, abençoou também.
A miséria, irmãos, foi dignificada.
Planejar na Terra a solução
Fica obsoleto. Sursum corda!
Haverá um céu privativo dos miseráveis.


21. A maior

A maior! A maior!
Qual, enfim, a maior
favela brasileira?
A Rocinha carioca?
Alagados, baiana?
Um analista indaga:
Em área construída
(se construção se chama
o sopro sobre a terra
movediça, volúvel,
ou sobre água viscosa)?
A maior, em viventes,
bichos, homens, mulheres?
Ou maior em oferta
de mão-de-obra fácil?
Maior em aparelhos
de rádio e de tevê?
Maior em esperança
ou maior em descrença?
A maior em paciência,
a maior em canção,
rainha das favelas,
imperatriz-penúria?
Tantos itens... O júri
declara-se perplexo
e resolve esquivar-se
a qualquer veredicto,
pois que somente Deus
(ou melhor, o Diabo)
É capaz de saber
das mores, a maior.














 





quarta-feira, 26 de agosto de 2015

"Canção para o grande amor", Vinicius de Moraes


Canção para o grande amor
(Maria Medalha)

Despedi o grande amor de mim
Dizendo assim: grande amor
Não se esqueça de voltar

Porque a dor do amor que teve fim
Que foi ruim, sei que sim
Outro amor vai apagar

E há de ser sempre assim:
Minha casa aberta
E na mesa posta um talher a mais
Um cinzeiro a mais
E no seu lugar a mesma mulher a esperar

A mesma mulher pronta a dizer
Entre, por favor, quando alguém surgir
Quando alguém chegar
Pode ser o amor, pode ser a dor, pode ser

Preciso ter muitas rosas para receber
O grande amor
Quando for
Sua hora de voltar