quarta-feira, 26 de março de 2014

Trovadorismo

Maria Luiza M. Abaurre


 O poder da Igreja


Ao longo da Idade Média a Igreja Católica cresceu, acumulou vastas extensões de terra, enriqueceu e concentrou um grande poder. 

O clero estimulava as pessoas a buscar redenção na total submissão à Igreja, que representava no mundo, a vontade de Deus. Essa postura servil perante Deus e a Igreja é denominada teocêntrica (Deus, perfeito e superior, no centro de todas as coisas).

Uma importante manifestação de poder da Igreja medieval era seu controle quase absoluto da produção cultural. Nessa época apenas 2% da  população europeia era alfabetizada. A escrita e a leitura estavam praticamente restritas aos mosteiros.

Os religiosos reproduziam ou traduziam textos sagrados do cristianismo e obras de grandes filósofos da Antiguidade, desde que não representassem uma ameaça ao poder da Igreja.

Como a circulação de textos dependia da reprodução manuscrita, quase feita sob encomenda, a divulgação da cultura tornava-se ainda mais difícil, porque o número de cópias em circulação era bem pequeno.

O uso do latim como língua  literária também contribuía para dificultar o acesso aos textos. Poemas e canções eram compostos em latim por monges eruditos que vagavam de feudo em feudo e, desse modo, divulgavam suas composições que, na maior parte, abordavam temas religiosos. 

A sociedade medieval

A sociedade se organizava em torno de grandes proprietários de terra, conhecidos como senhores feudais. Cada senhor feudal tinha uma pequena corte, formada por nobres empobrecidos, cavaleiros, camponeses livres e servos.  Tais indivíduos estavam unidos ao senhor feudal por uma relação de dependência pessoal: a vassalagem.

Os moradores do feudo juravam defender as terras do seu senhor e, como seus vassalos, recebiam o direito de viver na propriedade, cultivar parte das terras, além de receberem proteção.
A posição de destaque nessas cortes era ocupada pelos cavaleiros que, em tempos de ataques e invasões bárbaras, formavam o exército do senhor feudal.
As relações entre nobres, cavaleiros e senhores feudais eram regidas por um código de cavalaria baseado na lealdade, na honra, na bravura e na cortesia.

Trovadorismo: poesia e cortesia

Sem o perigo de novas invasões, a Europa passou por um período de progresso econômico e intercâmbio cultural. Os cavaleiros viam-se de uma hora para outra sem função social. Era preciso criar para eles um novo papel. A solução veio com a idealização de um código de comportamento que ficou conhecido como amor cortês.

Esse código transferia a relação de vassalagem entre cavaleiros e senhores feudais para o louvor às damas da sociedade.

Os praticantes do amor cortês teriam a chance de demonstrar, diante da corte, que o valor pessoal  não se fundamentava apenas no sangue e nas proezas militares, mas podia ser identificado como comportamento social: a cortesia.

Assim, nas cortes dos senhores feudais, centros de atividade artística da Europa medieval, se exibiam os jograis: recitadores, cantores, músicos  ambulantes que eram contratados pelo senhor para divertir a corte. As cantigas apresentadas pelos jograis, eram compostas por nobres que se denominavam trovadores, porque praticavam a arte de trovar.

Enquanto nos mosteiros circulavam os textos escritos em latim, nos castelos e nas cortes circulava a literatura oral, produzida em língua local, voltada para o deleite dos homens e das mulheres da nobreza e para legitimar o novo papel  social assumindo pelos cavaleiros. As regras de conduta social expressas no código de cavalaria passaram a definir o fazer literário medieval. 

Projeto literário do Trovadorismo

• Literatura oral para entreter os homens e as mulheres da nobreza.

• Redefinição do papel dos cavaleiros nas cortes.

• Criação de estruturas literárias equivalentes às da relação de vassalagem.

• Sociedade: subserviência total a Deus (teocentrismo) e obediência ao senhor feudal, representadas literariamente pela submissão do trovador à dama (poesia – cantigas).


As regras de conduta amorosa


Como testemunhas do comportamento do trovador e da dama a quem ele dirigia seus galanteios, os membros da corte julgavam o comportamento social de ambos. Era função da dama reconhecer e recompensar o trovador que cumprisse todas as regras do amor cortês. Se não fizesse isso, o trovador tinha o direito de denunciá-la publicamente por meio de cantigas satíricas.

Segundo o código de amor cortês, um trovador deveria expressar seus elogios e súplicas a uma mulher da nobreza, casada, que tivesse uma posição social reconhecida. Essa posição social era necessária para que fosse criada, nos textos literários, uma estrutura lírica equivalente à relação de vassalagem. Por esse motivo, os termos que definiam as relações feudais foram transpostos para as cantigas: a mulher era a senhora, o homem era seu servidor; prezava-se a generosidade, a lealdade e, acima de tudo, a cortesia. A avareza e a vilania eram comportamentos desprezados.

O trovador não devia revelar, em sua cantiga, o nome da dama a quem dirigia os elogios, mas precisava apresentá-la de modo a permitir que os membros da corte a identificassem. Uma série de expressões era utilizada para nomear uma dama (senhor, mia senhor, senhor fremosa etc).

O amor era visto como uma forma de sublimação dos desejos que transformava o trovador em homem cortês. A dama era vista sob uma perspectiva idealizada, de perfeição absoluta.



(Fonte: ABAURRE, Maria Luiza e PONTARA, Marcela. Literatura Brasileira.Tempos, Leitores e Leituras. Ensino Médio. São Paulo: Editora Moderna, 2005 )



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