quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Férias!!!


Queridos,
nosso ano foi maravilhoso e estou desejando muito sucesso para todos vocês, tá?
Bom, 2008 já está chegando ao final e como também sou filha de Deus, rs, eu e o blog estaremos de férias a partir de hoje.
Ano que vem tem muito mais!
Boas festas para todos!!!
Um beijão,
Luciana

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Beto Rockfeller, um divisor de águas

Luís Gustavo e elenco da novela
O ator Luís Gustavo (Beto Rockfeller)
Antes e depois de Beto


Alline Dauroiz - O Estado de S.Paulo

Há 40 anos, estreava na TV Tupi a primeira novela a apostar no anti-herói, divisor de águas do gênero
Houve um tempo em que novela no Brasil era sinônimo de dramalhão, interpretações carregadas e histórias do tempo do Império, importadas da Argentina, Cuba e México. Mas, há exatos 40 anos, a era dos barões e condessas foi sacudida por um bicão muito do simpático, que encheu o horário nobre de malandragem. Nascia Beto Rockfeller, novela contemporânea estrelada por Luis Gustavo na TV Tupi, que criou o primeiro anti-herói da TV brasileira e aproximou o público dos personagens, sempre muito possíveis.
"O sistema telenovela já estava começando a se necrosar. E é obrigação do artista enviar um ruído", teoriza Lima Duarte, ator convidado por Cassiano Gabus Mendes, diretor artístico da emissora, para dirigir a novidade.
Nada foi de caso pensado. O personagem que morava na Rua Teodoro Sampaio, trabalhava em loja de sapatos e, cheio de trambiques, sonhava em pertencer ao rico mundo da Rua Augusta surgiu na boate paulistana Dobrão, que pertencia a Gabus Mendes.
Uma menina da alta sociedade comemorava lá seu aniversário, quando, de repente, entra um "camarada" com roupa descolada, pega flores do balcão, dá para a aniversariante - que era lindíssima -, tira-a para dançar e, no final, acaba levando a moça embora. "Perguntei para um amigo quem era o cara. Acredita que ninguém conhecia? Falei para o Cassiano: Era um bicão!? e ele: “Bicão não, ele é um puta personagem", conta Luis Gustavo.
Pronto. Estava criado o tipo que seguraria uma novela por 13 meses, folhetim tão longo que autor, diretor e até o próprio Luis Gustavo não agüentaram levar até o final - Lima Duarte foi substituído por Walter Avancini, e Luis Gustavo saiu e só voltou para os últimos capítulos.
Com a idéia do personagem na cabeça, Gabus Mendes foi atrás do autor. Bráulio Pedroso, ex-editor do caderno de literatura do Estadão, estava na pior: havia sofrido um acidente, estava sem dinheiro e morando na garagem de Ruth Escobar. Logo aceitou o desafio.
Forma e conteúdo
Além de linguagem coloquial e interpretação despojada, Beto Rockfeller foi uma escola para o improviso. Incentivados pela direção de Lima, Luis Gustavo e Plínio Marcos (o Vitório, melhor amigo de Beto), criavam gírias e inventavam diálogos inteiros na hora de gravar.
"O Plínio tinha todo um jeitão para dar veracidade. Ele pegava o texto não decorado e dizia: Porra Beto (com sotaque italiano)?. E o Lima: Não pode falar porra!?. E ele: Sou mecânico e tu não quer que eu fale porra, porra!?. E acabou indo o "porra" pro ar (risos)", conta Bete Mendes, que virou musa da juventude com sua Renata, a última namoradinha de Beto.
Houve inovação também na forma de gravar, com externas. "Fizemos 80% das cenas em locais verdadeiros de São Paulo. Antes, tudo era gravado em estúdio", diz Luis Gustavo.
Em plena ditadura militar, a atriz Ana Rosa, que vivia Cida, a namorada pobre de Beto, participou de outro momento ousado na trama. "Nós nos beijamos, a câmera desceu para nossos pés e meu vestido caiu no chão, insinuando que íamos transar. A censura quase impediu de ir ao ar."
Quem assistiu também não esquece das músicas, pops para a época em que apenas as clássicas sinfonias ganhavam as trilhas das tramas. Em 40 anos, muitos tentaram imitar as inovações testadas na novela. Mas a fôrma daquele Beto Rockfeller parece ter se perdido no tempo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Turma Especial, Boa Sorte!

Eta! Que turma de bagunceiros, rs.

Frederico, Leonardo, Eu, Eduardo e Pedro.
Meninos, o curso foi ótimo e adorei ser professora de vocês!
Já deixaram saudades, viu?
Desejo boa sorte para todos!
Beijos,
Luciana
P. S.: Arthur, Davi e Diego estão faltando na fotinha.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Vestibular UFRJ

Critérios de correção, pontuação, estrutura das provas: Luiz Otávio Langlois, coordenador de vestibular da UFRJ, tira aqui muitas das possíveis dúvidas sobre a prova, que acontece em novembro. Ele abre a série de entrevistas que a Megazine publicará com os responsáveis pelos principais vestibulares do Estado do Rio nos próximos meses, a partir de perguntas enviadas por leitores ao site do GLOBO.
Quais são os critérios para a correção da prova? (Maria Eduarda Gandão)
LUIZ OTÁVIO LANGLOIS:A banca do vestibular e os professores responsáveis pela correção discutem todas as possibilidades de resposta para estabelecer a pontuação intermediária de cada questão, o que é feito para todas as provas.
Qual o critério de correção da redação? (Regina Fagundes)
LANGLOIS: Existe uma grade de correção com pontuação muito objetiva, na qual são valorizados os aspectos importantes numa redação: coerência, coesão do texto, uso da norma culta da língua e -- o mais importante - o tema. A fuga do assunto rende ao candidato nota zero.
O que se pode esperar da prova de língua portuguesa e literatura deste ano? (Eduardo Valladares)
LANGLOIS: A estrutura da prova é elaborada a partir de um tema, presente em toda a avaliação. A redação também segue o mesmo assunto. No exame de português, especificamente, procuramos valorizar mais as questões de interpretação do que as gramaticais.
Como será a prova de filosofia? (Diego dos Santos)
LANGLOIS:Terá o mesmo modelo do ano passado.
Tem problema deixar a prova a lápis? (Larissa dos Santos)
LANGLOIS:Não é um problema, mas a recomendação é: resolva a caneta, escreva com clareza e não rasure. Um dos problemas de deixar as respostas a lápis é que a cópia da prova não fica nítida, o que pode prejudicar o processo de revisão.
Como saber quanto vale cada questão? (Carolline Carvalho)
LANGLOIS:As provas têm a pontuação equilibrada. Todas terão um conjunto de questões mais difíceis, um de nível médio e um mais simples. Todas são igualmente valorizadas. Uma prova não-específica, por exemplo, tem cinco perguntas, e cada uma vale dois pontos. O mesmo acontece no exame específico, com dez questões, e cada uma vale um ponto.
O candidato que zerar uma prova não-específica é eliminado? (Rodrigo Nocchi)
LANGLOIS:O vestibulando só será eliminado se errar as 20 questões das provas não-específicas ou se zerar alguma prova específica, português ou redação.
Como é feita a classificação para a primeira, a segunda e a terceira escolha do curso indicado? (Marcos Vidal)
LANGLOIS:O primeiro critério é a opção do candidato e o segundo é a nota final. O vestibulando que escolher farmácia como primeira opção de curso, por exemplo, será classificado pela nota final. Sobrando vagas, serão classificados os que optaram pela graduação como segunda preferência.
Vocês vão divulgar a relação candidato/vaga de cada curso de engenharia? (Larissa Candida dos Santos)
LANGLOIS:Ainda não temos data, mas é provável que isso seja divulgado esta semana.
O senhor concorda que a inclusão de física médica prejudicou os vestibulandos de Física (bacharelado)? A relação candidato/vaga quase triplicou. (Maria Regina Vital)
LANGLOIS:Isso é uma decisão essencialmente do Instituto de Física, que acha essa a melhor maneira de selecionar seus alunos. Eu tenho sérias dúvidas se é melhor ou pior.
Os itálicos são meus.
Boa sorte Pessoal!!!
Beijos

Beautiful Day


quinta-feira, 30 de outubro de 2008

"Eu sou o cara"

Como o post sobre a atuação da mídia no caso Eloá está bombando, resolvi agora colocar esse texto que traz uma versão psicanalítica do caso. O final é um pouquinho complicado, mas vale a pena!

"Eu sou o cara"

Um dos aspectos mais comentados do seqüestro que comoveu o país nas duas últimas semanas foi a atuação das emissoras de TV. Escudadas na "missão de informar" -mas, na verdade, sequiosas de superar a qualquer custo a audiência das demais-, acabaram fornecendo a Lindemberg Alves informações preciosas sobre a posição e as ações dos policiais e, com sua irresponsabilidade, provavelmente contribuíram para o desfecho trágico do episódio.
"Suave, mari magno turbantibus aequora ventis, e terra magnum alterius laborem spectare" (é doce, quando no vasto mar os ventos sacodem as águas, contemplar da terra firme o trabalho de um outro), escreveu Lucrécio em seu tratado "De Rerum Natura" [Da Natureza das Coisas].
Sem querer arvorar-me em juiz do que outros acharam correto fazer, pergunto: a espetacularização de situações como essa não acirra ainda mais as forças psíquicas que se podem supor em ação na mente de um criminoso? Criminoso, sim -pois Eloá Pimentel não morreu por causa da televisão nem porque os policiais invadiram o cativeiro, e sim porque seu ex-namorado atirou contra ela. Mas cabe perguntar que efeitos pode ter produzido a transformação dele -enquanto tinha uma arma na mão- em celebridade nacional.

Angústia

Os trechos de conversa entre o seqüestrador e o capitão Adriano Giovanini publicados pela imprensa sugerem que eles não foram pequenos -como aliás notaram tanto o professor Norval Batista Jr., da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), quanto o coronel Eduardo Félix: "Ele queria provar a todo instante que tinha o domínio da situação", disse o militar; "a mídia exacerbou a psicopatia e a megalomania que estavam em jogo", explicou o especialista.
As declarações de Lindemberg e o modo como se portou durante aqueles quatro dias terríveis sugerem que se trata de uma pessoa muito frágil. No que consiste essa fragilidade? De modo sumário, numa organização da personalidade que evidencia mecanismos mentais muito arcaicos, uma angústia extremamente intensa, e modos de lidar com ela que, em vez de a diminuir, potencializam a sensação de estar sendo atacado por forças maléficas contra as quais é preciso se defender a todo custo.
Partamos do que disse o rapaz: "Meu problema é com a menina que tá aqui na minha frente. Tenho que desenrolar...". Desenrolar o quê? O que ele via em Eloá, que a tornava tão indispensável a sua sobrevivência psíquica? Claramente, bem mais que um objeto de desejo ou de amor.
Tudo indica que havia projetado nela algo de si mesmo, uma parte ao mesmo tempo amada, odiada e temida, que nem podia recuperar nem tolerar que "fosse embora".

Projeções maciças

Esse modo de estabelecer vínculos é menos raro do que se poderia supor. Ele tem o nome de "relação de objeto narcísica" e, quando se instala, acarreta conseqüências bastante graves -embora deva ficar claro que, no mais das vezes, não levam o sujeito a matar alguém.
Em primeiro lugar, a relação com os outros significativos (pais, namorados, cônjuges) é permeada por projeções maciças: eles se convertem em artigos de primeira necessidade, um pouco como a droga para o adicto.
Deles se exigem uma presença física e um grau de atenção que comprovem o quanto amam o sujeito; mas, como o que este almeja é fundir-se com o objeto para poder controlá-lo, por assim dizer, "de dentro", o fato de que o ser amado é diferente dele e tem vida própria é sentido como insuportável.
A ameaça de o perder (real ou imaginária) desencadeia uma angústia aterradora, que freqüentemente se exprime por ciúmes patológicos e por atuações que podem chegar à violência. Pelo que mostrou de si durante o seqüestro, Lindemberg parece fazer parte desse grupo de pessoas.
O termo que empregou -desenrolar- é revelador: precisava separar-se do que havia depositado na ex-namorada. Como diz a psicanalista Joyce McDougall ("Le Théâtre en Rond", em "Théâtres du Je" [O Teatro de Arena, em Teatros do Eu]), o outro é aqui "considerado e tratado como uma parte de si mesmo que deve ser amada, odiada, dominada ou destruída".
Mas isso era justamente o que não podia fazer: "Estou confuso", "preciso ficar sozinho", "olho para a frente e não vejo caminho". A total impotência, impossível de ser admitida porque significaria a ruína de uma auto-imagem já muito pouco sólida, é negada pela megalomania: "Eu sou o cara", "sou o príncipe do gueto, o cara que manda no local".
A espetacularização do seu ato tresloucado, a evidência de que (como disse o coronel) havia conseguido mobilizar todo aquele aparato (e a atenção de milhões de telespectadores), teve o efeito de reforçar sua crença nessas fantasias grandiosas. Tudo indica que elas estavam a ponto de se converter em delírio: "Tem um anjinho e um diabinho, e o diabinho está falando mais alto". A projeção das dúvidas em entes sobrenaturais, devidamente divididos em um bom e um mau, fica aqui patente. Também é visível o apelo a uma figura capaz de pôr fim àquela situação, alguém dotado de poder suficiente tanto para silenciar o diabinho quanto para fazer Eloá desistir de o abandonar: "Invade essa p... logo, mano. Tô falando para você invadir. Se a polícia passar segurança, a gente sai de mãos dadas [...], mas preciso de sinceridade."

Bebês

A necessidade de controlar essa parte cindida de si é ilustrada por McDougall com um comportamento observado em alguns bebês que sofrem de insônia crônica: para adormecer, precisam sempre da presença física da mãe. Isso sugere que não conseguiram interiorizar a imagem materna em grau suficiente para poder se apoiar nela e se desligar com tranqüilidade do estado de vigília; pode-se dizer que a figura da mãe não chega a se constituir no núcleo de um objeto interno "bom" e reassegurador.
Por conseguinte, o sentimento de identidade desses futuros adultos -de ser "eu", ao mesmo tempo separado dos outros e ligado a eles por vínculos sólidos e variados- permanece como que esburacado, gelatinoso, lacunar, exigindo ser reforçado pela injeção constante de "cimento narcísico" por parte do objeto a quem se delegou essa função.
Se estas observações permitem formular uma hipótese sobre por que Lindemberg não pôde suportar ser abandonado pela namorada, por outro lado não o isentam da responsabilidade pelo crime que cometeu. Isso dito, ficam as lições das quais bastante se falou nos últimos dias.
Mesmo que nada garanta que um seqüestrador enlouquecido não vá matar sua vítima, a polícia deve receber os equipamentos que poderiam ter monitorado o que se passava no apartamento, e as emissoras precisam rever sua idéia do que é informar: a busca insensata dos picos de audiência as levou a se tornarem cúmplices involuntárias de um assassinato. Que se lembrem disso quando o próximo seqüestrador apontar a arma para a sua vítima.

RENATO MEZAN é psicanalista e professor titular da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).

Fonte: Folha de São Paulo, caderno Mais!, 26 de outubro de 2008.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Arcadismo (Revisão)

"Pauline as Daphne Fleeing from Apolloc" (1810) LEFÈVRE, Robert
Private collection
"The Bather" (1808) INGRES, Jean-Auguste-Dominique
Musée du Louvre, Paris

"Landscape with Figures Crossing a River" (s.d.) BIDAULD, Jean-Joseph-Xavier
Private collection

"Landscape with a Fortress and a Beggar" (s. d) BERTIN, Jean-Victor
Private collection
Iluminismo: conjunto das tendências ideológicas, filosóficas, científicas que nutriram o século XVIII; representava as idéias embasadas pelo espírito científico, experimental, enciclopédico e racionalista. Época movida por uma concepção otimista do mundo e pela crença inabalável no progresso humano, o iluminismo foi definido a partir da metáfora das Luzes: “luzes” que iluminam, que ilustram uma cultura nublada pelas “trevas” e pela mentalidade “obscurantista” barroca (que segundo os iluministas foi responsável pela interrupção das conquistas e dos avanços científicos do Renascimento).
Assim, no início do século XVIII ocorre a decadência do pensamento barroco, para a qual colaboraram vários fatores:
  • o exagero da expressão barroca havia cansado o público, perdendo terreno para o subjetivismo burguês;
  • o fortalecimento da burguesia que, atingindo a hegemonia econômica, lutava também pelo poder político (Declaração de Independência das Treze Colônias americanas 1776; Revolução Francesa 1789);
  • e o aparecimento dos filósofos iluministas: novo quadro sociopolítico-cultural, que necessitava de outras fórmulas de expressão.
Em 1748, Montesquieu publica O espírito das leis, obra na qual propõe a divisão do governo em três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Voltaire, como Montesquieu, relacionado com a alta burguesia, defende uma monarquia esclarecida. Em 1851, dirigida por Diderot e D'Alembert, aparece a Enciclopédia, cultuando a razão, o progresso e as ciências. Importante papel desempenhou também Jean-Jacques Rousseau, autor de O contrato social, defensor de um governo burguês e do ideal de "bom selvagem (“o homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe”; portanto, o homem deveria voltar-se para o refúgio da natureza pura).
Combate-se a mentalidade religiosa criada pela Contra-Reforma, nega-se a educação jesuítica praticada nas escolas, valoriza-se o estudo científico e as atividades humanas, num verdadeiro retorno à cultura renascentista. É, portanto, neste contexto, que aparece em Portugal, no ano de 1746, a obra O verdadeiro método de estudar do padre Luís Antonio Verney, na qual é proposta uma reforma geral do ensino com base em idéias iluministas. Em sua obra, Verney ataca o “método português de pregar” e classifica o barroco como sinônimo de mau gosto, de perversão do engenho e da razão.
Foi nesse contexto de fermentação filosófica e lutas políticas que surgiu o Arcadismo, voltado para um novo público consumidor, formado pela burguesia e pela classe média. Como expressão artística dessas camadas sociais, o Arcadismo (ou Neoclassicismo) identifica-se com as idéias da Ilustração e veicula-as sob a forma de valores que se opõem ao tipo de vida levado pelas cortes aristocráticas e à arte que consumiam: o Barroco.
Daí a idealização da vida natural, em oposição à vida urbana; a humildade, em oposição aos gastos exorbitantes da nobreza; o racionalismo, em oposição à fé; a linguagem simples e direta, em oposição à linguagem rebuscada do Barroco. Esses valores artísticos e culturais assumiram, no contexto da sociedade européia do século XVIII, um significado de clara contestação política, já que flagravam os privilégios da nobreza e do clero e propunham uma sociedade mais justa, racional e livre.
A linguagem árcade é a expressão das idéias e dos sentimentos do artista do século XVIII. Seus temas e sua construção procuram adequar-se à nova realidade social vivida pela classe que a produzia e a consumia: a burguesia. A literatura tem por objetivo restaurar o equilíbrio por meio da razão.
Características:
  • Arte ligada ao Iluminismo. Oposição ao absolutismo despótico e ao poder da Igreja.
  • Afirmação orgulhosa da racionalidade: Razão = Verdade = Simplicidade e clareza.
  • Culto da simplicidade.
  • Imitação dos clássicos gregos.
  • Bucolismo: adequação do homem à harmonia e serenidade da natureza.
  • Pastoralismo: celebração da vida pastoril, vista como um eterno idílio;
  • Ausência de subjetividade. O autor não expressa o seu próprio eu, adota uma forma pastoril (pseudônimo).
  • Amor galante: o amor é entendido como um conjunto de fórmulas convencionais. Na poesia árcade, as situações são artificiais; não é o próprio poeta quem fala de si e de seus reais sentimentos. No plano amoroso, por exemplo, quase sempre é um pastor que confessa o seu amor por uma pastora e a convida para aproveitar a vida junto à natureza. Convencionalismo amoroso que impede a livre expressão dos sentimentos: o que mais importava ao poeta árcade era seguir a convenção, fazer poemas de amor como faziam os poetas clássicos, e não a expressão dos sentimentos.
  • Fugere urbem (fuga da cidade): influenciados pelo poeta latino Horácio, os árcades defendiam o bucolismo como ideal de vida, isto é, uma vida simples e natural, junto ao campo, distante dos centros urbanos. Tal princípio era reforçado pelo pensamento do filósofo francês Jean Jacques Rousseau, segundo o qual, a civilização corrompe os costumes do homem, que nasce naturalmente bom.
  • aurea mediocritas: idealização de uma vida pobre e feliz no campo, em oposição à vida luxuosa e triste na cidade (exaltação do trabalho manual e do sentimento, em oposição ao artificialismo e às facilidades da vida urbana).

Barroco (Revisão)

"Moça com brinco de pérolas" (1665) VERMEER, Johannes
Mauritshuis, The Hague
"Vaidade" (s.d.) PIOLA, Domenico
Private collection, Genoa
"São Francisco" (1606) CARAVAGGIO
Galleria Nazionale d'Arte Antica, Rome
"Milagre de São Frascisco de Paula" (1750) CAPPELLA, Francesco
Museo Diocesano, Cortona
Em meados do século XVI a Europa passa por uma crise espiritual, moral e cultural: as conquistas do Renascimento tinham ido longe demais... Tal colapso da Renascença se deveu a abalos sofridos pela Ciência, Religião e Ética então vigentes: Copérnico (heliocentrismo); Lutero (Reforma Protestante – 1517) e Maquiavel (duplo padrão de moralidade), cada um em sua esfera, desconcertavam a ordem teocêntrica do universo.
Tal sensação desconcertante – de um lado o respeito aos dogmas, o apelo da espiritualidade e da fé, de outro, a vontade de conhecer, de experimentar, o humano e o terreno – atravessará todo esse período, marcando definitivamente o homem barroco por uma consciência dilemática e contraditória.
Diante desse surto de novas idéias, de novas condutas morais e de divisão da própria cristandade, a ordem reinante, abalada, buscou definir com bastante rigor a fronteira entre as leis da Igreja e a heresia, entre a Fé e a Ciência. O saber da fé não dava fé ao saber científico. Assim, a reação da Igreja católica veio com a Contra-Reforma (Concílio de Trento, 1545-1563), com a criação da Companhia de Jesus (1540) e com o endurecimento da Inquisição.
É importante ressaltar que, se há no período um sentido extremamente desenvolvido, este é a visão. Não parece obra do acaso o desenvolvimento e a exploração, neste período, do microscópio (1590) e do telescópio (1608). Também não é à toa que uma das diretrizes do Concílio de Trento, de onde surgiram os preceitos da Contra-Reforma, fosse exatamente a captura do fiel por meio da arte pictórica, da imagem, dos grandes monumentos, das suntuosas igrejas, da riqueza dos ornamentos, enfim, de uma verdadeira festa para o olhar. Em busca de uma Igreja moderna, renovada, capaz, portanto, de recuperar o prestígio abalado, as novas diretrizes estabelecidas para a arte tinham como função a conquista da alma por meio da exuberância da fé. A nova arte deveria ofuscar os sentidos, maravilhar, extasiar.
A Igreja Católica passava, então, a atribuir à pintura uma função catequética tão evolvente, tão eficaz, que as técnicas pictóricas acabaram se transferindo para a literatura: criaram-se verdadeiros “quadros verbais”, “pinturas vivas” do que se pretendia contar.
Será portanto muito comum na literatura barroca o desejo de explorar a sensibilidade óptica de seus leitores, quer mediante a utilização de metáforas eminentemente visuais, quer através de técnicas persuasivas que encontrassem nos olhos o caminho da mente e da vontade (“Entregar à mente colocando ante os olhos”, “a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos”).
A importância da prosa doutrinal religiosa nesse período, o reinado dos sermões, advém também das diretrizes do Concílio de Trento: além da pintura com fins doutrinais, prescrevia-se da mesma maneira a formação de pregadores capazes de mover e comover pedras.
As características barrocas podem ser sintetizadas em:
  • Dualidade/Contradição: Fé X Ciência; Alma X Corpo; Salvação X Pecado;
  • Exuberância das artes; apelo visual;
  • Movimento; curvas, sinuosidades;
  • Linguagem figurativa: alegorias; metáforas, sinestesias, antíteses e paradoxos;
  • Conflito do homem barroco: Antropomorfismo X Teocentrismo;
  • Cultismo: jogo de palavras;
  • Conceptismo: jogo de idéias.

Em vez de notícia, novela barata


Em vez de notícia, novela barata
Por Ligia Martins de Almeida em 21/10/2008
Cada vez que a televisão faz uma grande cobertura de tragédia (como a queda do avião da TAM em Congonhas, a morte da menina Isabella e agora o seqüestro de Santo André), a imagem da imprensa fica um pouco mais prejudicada. Confunde-se reality show ou novela barata com cobertura jornalística. E os espectadores, indignados como vários leitores do OI em seus comentários, culpam a imprensa.
Está na hora de jornalistas conscientes – aqueles que aprenderam que uma reportagem tem que ser bem apurada e que é preciso informar, mas respeitando as pessoas – tomarem uma posição contra isso que hoje chamam de "cobertura". Sensacionalismo é uma coisa; jornalismo é outra. E o que algumas emissoras fizeram semana passada foi puro sensacionalismo. A impressão que passou é que as emissoras, sem nada melhor para oferecer aos espectadores, torciam para que o cativeiro da estudante continuasse para sempre. Ganhavam as TVs, sem coisa melhor para oferecer, ganhavam os anunciantes, que tinham seu produto valorizado num programa de grande audiência, e ganhou o rapaz, que virou celebridade de uma hora para outra.
A moça baleada, a amiga que voltou para o cativeiro e as famílias atingidas não pareciam ter a menor importância. Terminado o confronto entre policiais na frente do Palácio do Morumbi, o seqüestro de Santo André era o programa mais barato e fácil de produzir que as emissoras poderiam oferecer ao público.
Soluções dos "especialistas"
É preciso lembrar que existe grande diferença entre notícia e novela de televisão. E o que se viu, na cobertura televisiva do fato, foi um reality show ao vivo, engordando a audiência das emissoras que usavam seu tempo para focalizar a janela do apartamento onde se desenrolava o drama. Pior do que isso era acompanhar a tentativa dos apresentadores de encher o tempo dos programas com comentários pra lá de vazios, sem contar as perguntas a especialistas sobre o que aconteceria com o rapaz ao final do seqüestro.
"De onde estou, o que se vê é uma grande correria", dizia a repórter do SBT A imagem que a emissora transmitia era igual à de todos as outras tardes: carros de polícia parados, policiais reunidos e a janela com a luz acesa.
Mas o pior mesmo talvez seja acompanhar a reação das pessoas. Na sala de um consultório, com a TV ligada, na hora em que os envolvidos no drama saíram do prédio, um casal correu para perto do aparelho e obrigou a filha, de quatro anos, a fazer silêncio. Era como final de novela. Eles não queriam perder nada da cena.
O público acompanhou o seqüestro desde segunda-feira (13/10); cada pessoa criou suas teorias e encontrou suas próprias soluções para a situação: mandar remédio para dormir, cortar a luz, não enviar alimentos. Enfim: das mil soluções sugeridas pelos "especialistas" entrevistados pela TV, cada espectador escolheu a sua. Mas todos concordavam numa coisa: um certo jornalismo que ali se viu praticado não podia ter dado tanto destaque ao rapaz, logo transformado em personagem principal da tragédia.
Apenas tragédias pessoais
Hoje os espectadores não se contentam mais em buscar informações na imprensa: como acompanham as tragédias ao vivo (vide a Guerra do Golfo e o ataque às torres gêmeas de Nova York), acostumaram-se a interpretar os fatos a partir das imagens que a TV fornece e, infelizmente, dos comentários feitos pelos apresentadores. Acostumaram-se ademais aos âncoras que chegam a ficar horas no ar, preenchendo o tempo com entrevistas e comentários nem sempre bem fundamentados. O resultado é que o jornalismo hoje ganhou um novo sentido para o público. O que antes era investigação, interpretação e preocupação em ser fiel à verdade, passou a ser tido como um show.
Nesse jornalismo do espetáculo, de um lado, temos as emissoras, que fazem qualquer coisa para garantir o ibope, e do outro personagens transformadas em celebridades. O rapaz de Santo André, que começou querendo resolver um problema emocional, talvez não contasse com a notoriedade imediata. Ficou famoso, virou centro de atenções e se descontrolou ainda mais. O resultado foi uma vida perdida e outra destruída.
Mas isso não tem a menor importância para as emissoras de TV: os personagens dessa tragédia, como tantos outros, só interessam por alguns dias. Rapidamente a história fica velha, não dá mais tanto ibope, e o que sobra são apenas seres humanos vivendo suas tragédias pessoais. Não servem mais para esquentar a fraca programação diária, sobretudo a diurna, da TV aberta. Notícia de verdade – sobre o estado das pessoas envolvidas com o drama, a forma como Lindemberg Fernandes Alves conseguiu suas armas, os pais dos jovens, a condição de suas famílias, a situação dos moradores da periferia de Santo André – só aparecerá (e também por pouco tempo) na imprensa escrita.
Fonte:
Então, o que me dizem?

A morte do Leiteiro


Queridos, na aula de hoje falei desse poema, lembram?
Então, lá vai:
A morte do leiteiro
Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.
Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro,
morador na Rua Namur,
empregado no entreposto,
com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria.
E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro…
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.
Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.
Mas este acordou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.
Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.
Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue… não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.
(in A rosa do povo, 1945)
O que me dizem?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Canção do exílio e algumas releituras

CANÇÃO DO EXÍLIO
(Gonçalves Dias)
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem que ainda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
(In Primeiros Cantos, 1846)

CANTO DE REGRESSO À PÁTRIA
(Oswald de Andrade)
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase tem mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que eu veja a rua 15
E o progresso de São Paulo
(In Pau-Brasil, 1925)

CANÇÃO DO EXÍLIO
(Murilo Mendes)
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas são mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
(In Poemas, 1930)

NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO
(Carlos Drummond de Andrade)
Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.
Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
Onde é tudo belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)
Ainda um grito de vida e
voltar
para onde tudo é belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.
(In A Rosa do Povo, 1945)

Jovens são 61,4% dos desempregados no país

Jovens são 61,4% dos desempregados no país
Estatísticas costumam ser chatas, mas ajudam a entender melhor a realidade das ruas e o país em que vivemos. Falo da população de 15 a 29 anos, faixa etária que concentra 50 milhões de brasileiros. Quase um terço deles é pobre. São 14 milhões vivendo em lares com renda por pessoa inferior à metade do salário mínimo. Para ficar mais claro: numa casa com cinco pessoas, a renda máxima seria de R$ 1.037,50 por mês. Para cinco pessoas.
Voltando ao desemprego: 4,6 milhões desses jovens são desempregados. Há um dado que considero mais impressionante: a quantidade de gente que não estuda nem trabalha. Na faixa dos 15 aos 17 anos, essa é a situação de 7,4% dos garotos e de 12% das garotas. O mesmo ocorre com 13,9% dos homens de 18 a 24 anos. Entre as mulheres, são 32,1%. Isso mesmo: 32,1%! O que fazem eles?
Se é verdade que a economia cresce e mais empregos aparecem, cabe a pergunta: o que a escola oferece a essa juventude? Nunca é demais lembrar que, por mais que o país tenha universalizado o ensino dos 7 aos 14 anos, quase um quinto dos jovens de 15 a 17 continua sem estudar. São 82,1% na escola e 17,9% fora. Nessa idade, deveriam cursar o ensino médio. Mas só 48% chegam lá.
É verdade que já foi pior: em 2002, eram 40,7%; em 1992, só 18,2%. A melhora é lenta. E não combina com o blá-blá-blá da propaganda oficial. Os dados são do ano passado. Foram divulgados nesta terça-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE. Ah, houve um avanço: em 2006, os jovens representavam 63,8% dos desempregados...
Fonte: Blog Educação à brasileira de Demétrio Weber
Então, o que me dizem?

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Pensamento do dia

"Tenho medo de estar fazendo o leitor perder seu tempo. É importante apontar para direção certa; na primeira página, no primeiro parágrafo, na primeira frase, até mesmo no título, se possível."
Joe Hill

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Dia muito especial!


Receita de ano novo
(Carlos Drummond de Andrade)
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo cochila
e espera desde sempre.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Momento de distração

As figuras estão se mexendo?

Muito bom, né?

domingo, 12 de outubro de 2008

Dia especial


Dia 12 de outubro, dia das crianças, dia de Nossa Senhora Aparecida, dia especial!
Deixo para vocês um trecho de "O guardador de rebanhos" de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa):
"A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda."
Beijos

sábado, 11 de outubro de 2008

Centenário de Cartola

Hoje Cartola completaria cem anos...
Para comemorar, deixo para vocês dois clássicos desse gênio/poeta da MPB:
As rosas não falam
Cartola
Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão,
Enfim
Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim
Queixo-me às rosas,
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai
Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim
O mundo é um moinho
Cartola
Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção querida
Embora saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó.
Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés
Para escutar na voz de Beth Carvalho:

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Turma Pré-militar, boa sorte!!!

Thiago, Luís Gustavo, Anderson, Tássio, Vinícius e eu.
Meninos,
vou sentir saudades de nossas aulas! Olha como ficou legal a fotinha que tiramos hoje de manhã!
Beijos e boa sorte!

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A guerra das palavras

A guerra das palavras
Pais pressionaram direção de colégio a demitir professor -"disseram-me que havia um parecer de psicólogos e juristas condenando a combinação de professor e escritor", afirma; instituição não se manifesta
Poeta e professor de literatura, Oswaldo Martins Teixeira, 47, foi demitido no dia 11 de setembro da Escola Parque do Rio de Janeiro, onde lecionava para turmas de 7º e 8º anos do ensino fundamental. Pais de alunos descobriram que Teixeira escreve poemas eróticos; ele os publicou em livros e em um blog. Pediram a cabeça do professor.
A escola moderna, construtivista, mensalidade de R$ 1.161, unidades na Barra da Tijuca e no aristocrático bairro da Gávea, que funciona sob o lema "Uma escola que estimula a expansão cultural", demitiu.
Formado em letras pela Pontifícia Universidade Católica, o professor Teixeira obteve o título de mestre na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com a dissertação "Erotismo e Gramática, Índices da Defloração - Uma Leitura de Manoel de Barros", de 1992.
Há quatro anos, prepara seu doutorado na Universidade Federal Fluminense sobre o poeta, escritor e dramaturgo italiano Pietro Aretino (1492-1556)."Diverti-me escrevendo os sonetos que podeis ver. A indecente memória deles, eu a dedico a todos os hipócritas, pois não tenho mais paciência para as suas mesquinhas censuras, para o seu sujo costume de dizer aos olhos que não podem ver o que mais os deleita."
O texto é de Aretino. Refere-se aos "Sonetos Luxuriosos", escritos em linguagem explícita a partir de 16 gravuras eróticas de Giulio Romano, discípulo de Rafael Sanzio, um dos maiores mestres em pintura e arquitetura, contemporâneo de Michelangelo e Da Vinci.
Aretino e Giulio Romano nasceram no ano da descoberta da América, durante o Renascimento das carnes e dos sentidos. Juntos, elaboraram uma obra-prima do despudor.
"Ousei criar poemas à moda de Aretino", justifica o professor em tempos politicamente corretos. Autor de quatro livros publicados pela 7 Letras -"Desestudos" (2000), "Minimalhas do Alheio" (2002), "Lucidez do Oco" (2004) e "Cosmologia do Impreciso" (2008)-, Teixeira mantém um blog (http://osmarti.blogspot.com/). "a alice no país das baboseiras/ é uma garota esperta// prefere foder com a coleguinha/ usar celular/ batom// cortar as cabeças/ dos mendigos." O poema figura na "Cosmologia do Impreciso".
Fogueira ardendo
Foi na preparação da Semana Literária da Escola Parque (realizada em maio) que a fogueira do professor começou a arder. "A coordenação me pediu que fosse às salas de aula do 7º e do 8º anos para divulgar o meu processo de escrita e o blog. Contei como eu criava, falei de minha paixão pela literatura, tentei mostrar que inclui saber ler as estrelas no céu, os passos até a banca de jornal."
Na mesma semana, os garotos deram um "google" e descobriram o blog do professor na internet. Escândalo.
Pais foram até a coordenação pedagógica reclamar do que consideravam ser um conteúdo inadequado, pornográfico, obsceno. O professor foi chamado a se explicar: "Eu disse que não via problema nenhum, que a literatura erótica é tão antiga quanto a própria literatura."
A lista de livros sugeridos neste ano para os alunos do primeiro ano do ensino fundamental da Escola Parque inclui "Poemas para Brincar" e "Olha o Bicho", de José Paulo Paes (1926-98). Um "google" no nome do poeta e vem "Fodamos, meu amor, fodamos presto. Pois foi para foder que se nasceu...". É a tradução dos "Sonetos Luxuriosos" de Aretino, que Paes providenciou -a primeira feita para o português.Na biblioteca da Escola Parque, pode-se ler o livro "Belo Belo e Outros Poemas" de Manuel Bandeira (1886-1968), o mesmo autor de "A Cópula" – só vendo.
A luta da poesia
Na Feira do Livro, edição de 2002 da Escola Parque, os alunos prestaram homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade, cujo centenário era comemorado naquele ano.
"A língua lambe as pétalas vermelhas da rosa pluriaberta; a língua lavra certo oculto botão, e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos. E lambe, lambilonga, lambilenta, a licorina gruta cabeluda, e, quanto mais lambente, mais ativa, atinge o céu do céu, entre gemidos, entre gritos, balidos e rugidos de leões na floresta, enfurecidos."
No início de setembro, o professor Teixeira foi chamado para uma reunião no Instituto Moreira Salles, que fica na mesma rua da Escola Parque.
Foi no local construído nos anos 1950, um monumento ao modernismo carioca, que se comunicou a demissão.
"Disseram-me que havia um parecer de psicólogos e juristas condenando a combinação do professor com o escritor em uma só pessoa", lembra Teixeira. "Não pude discutir com nenhum pai, não houve debate nenhum", diz. "Impôs-se a sombra da censura e do controle porque a escola simplesmente decidiu ceder a um grupo de pais dos quais nem sequer sei os nomes."
Casado há 24 anos, pai de três filhos, o professor mora no bairro de Laranjeiras. "Meu problema não é a empregabilidade. Estou muito mais preocupado com o obscurantismo, com a certeza dos censores. A poesia luta contra isso. E foi muito trabalho até me transformar em um poeta. Não posso abrir mão disso", diz.
Fonte: Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 5/10/2008.
Sobre esse lamentável episódio, coloco um trecho do brilhante artigo “Arbítrio dos outros” do professor Luiz Costa Lima, publicado na mesma edição do caderno Mais! do jornal Folha de São Paulo:
“Um professor de português que tem a má sorte de ser também um poeta e ensina(va) em um colégio secundário particular da zona sul, por ter publicado, no seu blog, um conjunto de poemas eróticos, é sumária e discretamente demitido.
A medida foi tomada pela instituição ante a reclamação de pais de alunos, que acharam que escrever poemas eróticos não é tarefa para um professor de seus filhos. Não chamo nem sequer a atenção para o fato de que tal colégio foi fundado com uma plataforma liberal, que, ao ir crescendo, etc. etc.
Pergunto-me, sim: que defesa tem um poeta que, para sobreviver, precisa dar aulas de português, caso sinta a necessidade de escrever poemas eróticos? Não adianta atentar para a cegueira desses pais ou para a covardia hipócrita de tal direção. A questão concreta é como pode alguém, no caso o poeta-professor, defender-se ante uma decisão arbitrária que interfere em sua sobrevivência material?
Não acentuo nem sequer a discrepância entre os princípios de uma sociedade que se diz liberal, recém-saída de uma ditadura, e uma medida assim absurda. Acentuo, sim, que o marginal ao noticiário midiático revela o aspecto autoritário que, como sombra perversa, permanece entranhado na sociedade brasileira.”
Então, o que me dizem?

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

"Quanto vale ou é por quilo?"


Queridos,
no post anterior coloquei o conto de Machado de Assis que pedi para vocês lerem. Seria muito legal assistir também ao fime "Quanto vale ou é por quilo?".
A seguir coloco um trecho do filme e a sua ficha técnica:
Trecho:
Ficha técnica:
Título Original: Quanto Vale Ou É Por Quilo?
País de Origem: Brasil
Gênero: Drama
Classificação etária: 14 anos
Tempo de Duração: 110 minutos
Ano de Lançamento: 2005
Direção: Sergio Bianchi

"Pai contra mãe", Machado de Assis

A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a cerco ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também, à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.
Há meio século, os escravos fugiam com freqüência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcassem aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.
Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha a promessa: "gratificar-se-á generosamente", – ou "receberá uma boa gratificação". Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse.
Cândido Neves, – em família, Candinho, – é a pessoa a quem se liga a história de uma fuga, cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos. Tinha um defeito grave esse homem, não agüentava emprego nem ofício, carecia de estabilidade; é o que ele chamava caiporismo. Começou por querer aprender tipografia, mas viu cedo que era preciso algum tempo para compor bem, e ainda assim talvez não ganhasse o bastante; foi o que ele disse a si mesmo. O comércio chamou-lhe a atenção, era carreira boa. Com algum esforço entrou de caixeiro para um armarinho. A obrigação, porém, de atender e servir a todos feria-o na corda do orgulho, e ao cabo de cinco ou seis semanas estava na rua por sua vontade, fiel de cartório, contínuo de uma repartição anexa ao ministério do império, carteiro e outros empregos foram deixados pouco depois de obtidos.
Quando veio a paixão da moça Clara, não tinha ele mais que dívidas, ainda que poucas, porque morava com um primo, entalhador de ofício. Depois de várias tentativas para obter emprego, resolveu adotar o ofício do primo, de que aliás já tomara algumas lições. Não lhe custou apanhar outras, mas, querendo aprender depressa, aprendeu mal. Não fazia obras finas nem complicadas, apenas garras para sofás e relevos comuns para cadeiras. Queria ter em que trabalhar quando casasse, e o casamento não se demorou muito.
Contava trinta anos, Clara vinte e dois. Ela era órfã, morava com uma tia, Mônica, e cosia com ela. Não cosia tanto que não namorasse o seu pouco, mas os namorados apenas queriam matar o tempo; não tinham outro empenho. Passavam às tardes, olhavam muito para ela, ela para eles, até que a noite a fazia recolher para a costura. O que ela notava é que nenhum deles lhe deixava saudades nem lhe acendia desejos. Talvez nem soubesse o nome de muitos. Queria casar, naturalmente. Era, como lhe dizia a tia, um pescar de caniço, a ver se o peixe pegava, mas o peixe passava de longe; algum que parasse, era só para andar à roda da isca, mirá-la, cheirá-la, deixá-la e ir a outras.
O amor traz sobrescritos. Quando a moça viu Cândido Neves, sentiu que era este o possível marido, o marido verdadeiro e único. O encontro deu-se em um baile; tal foi – para lembrar o primeiro ofício do namorado, – tal foi a página inicial daquele livro, que tinha de sair mal composto e pior brochado. O casamento fez-se onze meses depois, e foi a mais bela festa das relações dos noivos. Amigas de Clara, menos por amizade que por inveja, tentaram arredá-la do passo que ia dar. Não negavam a gentileza do noivo, nem o amor que lhe tinha, nem ainda algumas virtudes; diziam que era dado cm demasia a patuscadas.
– Pois ainda bem, replicava a noiva; ao menos, não caso com defunto.
– Não, defunto não; mas é que...
Não diziam o que era. Tia Mônica, depois do casamento, na casa pobre onde eles se foram abrigar, falou-lhes uma vez nos filhos possíveis. Eles queriam um, um só, embora viesse agravar a necessidade.
– Vocês, se tiverem um filho, morrem de fome, disse a tia à sobrinha.
– Nossa Senhora nos dará de comer, acudiu Clara.
Tia Mônica devia ter-lhes feito a advertência, ou ameaça, quando ele lhe foi pedir a mão da moça; mas também ela era amiga de patuscadas, e o casamento seria uma festa, como foi.
A alegria era comum aos três. O casal ria a propósito de tudo. Os mesmos nomes eram objeto de trocados, Clara, Neves, Cândido; não davam que comer, mas davam que rir, e o riso digeria-se sem esforço. Ela cosia agora mais, ele saía a empreitadas de uma coisa e outra; não tinha emprego certo.
Nem por isso abriam mão do filho. O filho é que, não sabendo daquele desejo específico, deixava-se estar escondido na eternidade. Um dia, porém, deu sinal de si a criança; varão ou fêmea, era o fruto abençoado que viria trazer ao casal a suspirada ventura. Tia Mônica ficou desorientada, Cândido e Clara riram dos seus sustos.
– Deus nos há de ajudar, titia, insistia a futura mãe.
A notícia correu de vizinha a vizinha. Não houve mais que espreitar a aurora do dia grande. A esposa trabalhava agora com mais vontade, e assim era preciso, uma vez que, além das costuras pagas, tinha de ir fazendo com retalhos o enxoval da criança. À força de pensar nela, vivia já com ela, media-lhe fraldas, cosia-lhe camisas. A porção era escassa os intervalos longos. Tia Mônica ajudava, é certo, ainda que de má vontade.
– Vocês verão a triste vida, suspirava ela.
– Mas as outras crianças não nascem também? perguntou Clara.
– Nascem, e acham sempre alguma coisa certa que comer, ainda que pouco...
– Certa como?
– Cerca, um emprego, um ofício, uma ocupação, mas em que é que o pai dessa infeliz criatura que aí vem, gasta o tempo?
Cândido Neves, logo que soube daquela advertência, foi ter com a tia, não áspero, mas muito menos manso que de costume, e lhe perguntou se já algum dia deixara de comer.
– A senhora ainda não jejuou senão pela semana santa, e isso mesmo quando não quer jantar comigo. Nunca deixamos de ter o nosso bacalhau...
– Bem sei, mas somos três.
– Seremos quatro.
– Não é a mesma coisa.
– Que quer então que eu faça, além do que faço?
– Alguma coisa mais certa. Veja o marceneiro da esquina, o homem do armarinho, o tipógrafo que casou sábado, todos têm um emprego certo... Não fique zangado; não digo que você seja vadio, mas a ocupação que escolheu, é vaga. Você passa semanas sem vintém.
– Sim, mas lá vem uma noite que compensa tudo, até de sobra. Deus não me abandona, e preto fugido sabe que comigo não brinca; quase nenhum resiste, muitos entregam-se logo.
Tinha glória nisto, falava da esperança como de capital seguro. Daí a pouco ria, e fazia rir à tia, que era naturalmente alegre, e previa uma patuscada no batizado.
Cândido Neves perdera já o ofício de entalhador, como abrira mão de outros muitos, melhores ou piores. Pegar escravos fugidos trouxe-lhe um encanto novo. Não obrigava a estar longas horas sentado. Só exigia força, olho vivo, paciência, coragem e um pedaço de corda. Cândido Neves lia os anúncios, copiava-os, metia-os no bolso e saía às pesquisas. Tinha boa memória. Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido, gastava pouco tempo em achá-lo, segurá-lo, amarrá-lo e levá-lo. A força era muita, a agilidade também. Mais de uma vez, a uma esquina, conversando de coisas remotas, via passar um escravo como os outros, e descobria logo que ia fugido, quem era, o nome, o dono, a casa deste e a gratificação; interrompia a conversa e ia atrás do vicioso. Não o apanhava logo, espreitava lugar azado, e de um salto tinha a gratificação nas mãos. Nem sempre safa sem sangue, as unhas e os dentes do outro trabalhavam, mas geralmente ele os vencia sem o menor arranhão.
Um dia os lucros entraram a escassear. Os escravos fugidos não vinham já, como dantes, meter-se nas mãos de Cândido Neves. Havia mãos novas e hábeis. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor. Quer dizer que as dívidas de Cândido Neves começaram de subir, sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos. A vida fez-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal; comia-se tarde. O senhorio mandava pelos aluguéis.
Clara não tinha sequer tempo de remendar a roupa do marido, tanta era a necessidade de coser para fora. Tia Mônica ajudava a sobrinha, naturalmente. Quando ele chegava à tarde via-se-lhe pela cara que não trazia vintém. Jantava e saía outra vez, à cata de algum fugido. Já lhe sucedia, ainda que raro, enganar-se de pessoa, e pegar em escravo fiel que ia a serviço de seu senhor; tal era a cegueira da necessidade. Certa vez capturou um preto livre; desfez-se em desculpas, mas recebeu grande soma de murros que lhe deram os parentes do homem.
– É o que lhe faltava! exclamou a tia Mônica, ao vê-lo entrar, e depois de ouvir narrar o equívoco e suas conseqüências. Deixe-se disso, Candinho; procure outra vida, outro emprego.
Cândido quisera efetivamente fazer outra coisa, não pela razão do conselho, mas por simples gosto de trocar de ofício; seria um modo de mudar de pele ou de pessoa. O pior é que não achava à mão negócio que aprendesse depressa.
A natureza ia andando, o feto crescia, até fazer-se pesado à mãe, antes de nascer. Chegou o oitavo mês, mês de angústias e necessidades, menos ainda que o nono, cuja narração dispenso também. Melhor é dizer somente os seus efeitos. Não podiam ser mais amargos.
– Não, tia Mônica! bradou Candinho, recusando um conselho que me custa escrever, quanto mais ao pai ouvi-lo. Isso nunca!
Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados. Em verdade, não podia haver palavra mais dura de tolerar a dois jovens pais que espreitavam a criança, para beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular... Enjeitar quê? enjeitar como? Candinho arregalou os olhos para a tia, e acabou dando um murro na mesa de jantar. A mesa, que era velha e desconjuntada, esteve quase a se desfazer inteiramente. Clara interveio:
– Titia não fala por mal, Candinho.
– Por mal? replicou tia Mônica. Por mal ou por bem, seja o que for, digo que é o melhor que vocês podem fazer. Vocês devem tudo; a carne e o feijão vão faltando. Se não aparecer algum dinheiro, como é que a família há de aumentar? E depois, há tempo; mais tarde, quando o senhor tiver a vida mais segura, os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que este ou maior. Este será bem criado, sem lhe faltar nada. Pois então a Roda é alguma praia ou monturo? Lá não se mata ninguém, ninguém morre à toa, enquanto que aqui é certo morrer, se viver à míngua. Enfim...
Tia Mônica terminou a frase com um gesto de ombros, deu as costas e foi meter-se na alcova. Tinha já insinuado aquela solução, mas era a primeira vez que o fazia com tal franqueza e calor, – crueldade, se preferes. Clara estendeu a mão ao marido, como a amparar-lhe o ânimo; Cândido Neves fez uma careta, e chamou maluca à tia, em voz baixa. A ternura dos dois foi interrompida por alguém que batia à porta da rua.
– Quem é? perguntou o marido.
– Sou eu.
Era o dono da casa, credor de três meses de aluguel, que vinha em pessoa ameaçar o inquilino. Este quis que ele entrasse.
– Não é preciso...
– Faça favor.
O credor entrou e recusou sentar-se; deitou os olhos à mobília para ver se daria algo à penhora; achou que pouco. Vinha receber os aluguéis vencidos, não podia esperar mais; se dentro de cinco dias não fosse pago, pô-lo-ia na rua. Não havia trabalhado para regalo dos outros. Ao vê-lo, ninguém diria que era proprietário; mas a palavra supria o que faltava ao gesto, e o pobre Cândido Neves preferiu calar a retorquir. Fez uma inclinação de promessa e súplica ao mesmo tempo. O dono da casa não cedeu mais.
– Cinco dias ou rua! repetiu, metendo a mão no ferrolho da porta e saindo.
Candinho saiu por outro lado. Nesses lances não chegava nunca ao desespero, contava com algum empréstimo, não sabia como nem onde, mas contava. Demais, recorreu aos anúncios. Achou vários, alguns já velhos, mas em vão os buscava desde muito. Gastou algumas horas sem proveito, e tornou para casa. Ao fim de quatro dias, não achou recursos; lançou mão de empenhos, foi a pessoas amigas do proprietário, não alcançando mais que a ordem de mudança.
A situação era aguda. Não achavam casa, nem contavam com pessoa que lhes emprestasse alguma; era ir para a rua. Não contavam com a tia. Tia Mônica teve arte de alcançar aposento para os três em casa de uma senhora velha e rica, que lhe prometeu emprestar os quartos baixos da casa, ao fundo da cocheira, para os lados de um pátio. Teve ainda a arte maior de não dizer nada aos dois, para que Cândido Neves, no desespero da crise, começasse por enjeitar o filho e acabasse alcançando algum meio seguro e regular de obter dinheiro; emendar a vida, em suma. Ouvia as queixas de Clara, sem as repetir, é certo, mas sem as consolar. No dia em que fossem obrigados a deixar a casa, fá-los-ia espantar com a notícia do obséquio e iriam dormir melhor do que cuidassem.
Assim sucedeu. Postos fora da casa, passaram ao aposento de favor, e dois dias depois nasceu a criança. A alegria do pai foi enorme, e a tristeza também. Tia Mônica insistiu em dar a criança à Roda. “Se você não quer levar, deixe isso comigo; eu vou à rua dos Barbonos.” Cândido Neves pediu que não, que esperasse, que ele mesmo a levaria. Notai que era um menino, e que ambos os pais desejavam justamente este sexo. Mal lhe deram algum leite; mas, como chovesse à noite, assentou o pai levá-lo à Roda na noite seguinte.
Naquela reviu todas as suas notas de escravos fugidos. As gratificações pela maior parte eram promessas; algumas traziam a soma escrita e escassa. Uma, porém, subia a cem mil-réis. Tratava-se de uma mulata; vinham indicações de gesto e de vestido. Cândido Neves andara a pesquisá-la sem melhor fortuna, e abrira mão do negócio; imaginou que algum amante da escrava a houvesse recolhido. Agora, porém, a vista nova da quantia e a necessidade dela animaram Cândido Neves a fazer um grande esforço derradeiro. Saiu de manhã a ver e indagar pela rua e largo da Carioca, rua do Parto e da Ajuda, onde ela parecia andar, segundo o anúncio. Não achou; apenas um farmacêutico da rua da Ajuda se lembrava de ter vendido uma onça de qualquer droga, três dias antes, à pessoa que tinha os sinais indicados. Cândido Neves parecia falar como dono da escrava, e agradeceu cortesmente a noticia. Não foi mais feliz com outros fugidos de gratificação incerta ou barata.
Voltou para a triste casa que lhe haviam emprestado. Tia Mônica arranjara de si mesma a dieta para a recente mãe, e tinha já o menino para ser levado à Roda. O pai, não obstante o acordo feito, mal pôde esconder a dor do espetáculo. Não quis comer o que tia Mônica lhe guardara; não tinha fome, disse, e era verdade. Cogitou mil modos de ficar com o filho; nenhum prestava. Não podia esquecer o próprio albergue em que vivia. Consultou a mulher, que se mostrou resignada. Tia Mônica pintara-lhe a criação do menino; seria a maior miséria, podendo suceder que o filho achasse a morte sem recurso. Cândido Neves foi obrigado a cumprir a promessa; pediu à mulher que desse ao filho o resto do leite que ele beberia da mãe. Assim se fez; o pequeno adormeceu, o pai pegou dele, e saiu na direção da rua dos Barbonos.
Que pensasse mais de uma vez em voltar para casa com ele, é certo; não menos certo é que o agasalhava muito, que o beijava, que lhe cobria o rosto preservá-lo do sereno. Ao entrar na rua da Guarda Velha, Cândido Neves começou a afrouxar o passo.
– Hei de entregá-lo o mais tarde que puder, murmurou ele.
Mas não sendo a rua infinita ou sequer longa, viria a acabá-la; foi então que lhe ocorreu entrar por um dos becos que ligavam aquela à rua da Ajuda. Chegou ao fim do beco e, indo a dobrar à direita, na direção do largo da Ajuda, viu do lado oposto um vulto de mulher: era a mulata fugida. Não dou aqui a comoção de Cândido Neves por não podê-lo fazer com a intensidade real. Um adjetivo basta; digamos enorme. Descendo a mulher, desceu ele também.; a poucos passos estava a farmécia onde obtivera a informação, que referi acima. Entrou, achou o farmacêutico, pediu-lhe a fineza de guardar a criança por um instante; viria buscá-la sem falta.
– Mas...
Cândido Neves não lhe deu tempo de dizer nada; saiu rápido, atravessou a rua, até o ponto em que pudesse pegar a mulher sem dar alarma. No extremo da rua, quando ela ia a descer a de S. José, Cândido Neves aproximou-se dela. Era a mesma, era a mulata fujona.
– Arminda! Bradou, conforme a nomeava o anúncio.
Arminda voltou-se sem cuidar malícia. Foi só quando ele, tendo tirado o pedaço de corda da algibeira, pegou dos braços da escrava, que ela compreendeu e quis fugir. Era já impossível. Cândido Neves, com as mãos robustas, atava-lhe os pulsos e dizia que andasse. A escrava quis gritar, parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume, mas entendeu logo que ninguém viria libertá-la, ao contrário. Pediu então que a soltasse pelo amor de Deus.
– Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum o filho, peço-lhe por amor dele que me solte; eu serei sua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. Me solte, meu senhor moço!
– Siga! repetiu Cândido Neves.
– Me solte!
– Não quero demoras; siga!
Houve aqui luta, porque a escrava, gemendo, arrastava-se a si e ao filho. Quem passava ou estava à porca de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia. Arminda ia alegando que o senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoites, – coisa que, no estado em que ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoites.
– Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? perguntou Cândido Neves.
Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na farmácia, à espera dele. Também é certo que não costumava dizer grandes coisas. Foi arrastando a escrava pela rua dos Ourives, em direção à Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada, desesperada, arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.
– Aqui está a fujona, disse Cândido Neves.
– É ela mesma.
– Meu senhor!
– Anda, entra...
Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinqüenta mil-réis, enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou.
O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono. Cândido Neves viu todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram. Quaisquer que fossem, urgia correr à rua da Ajuda, e foi o que ele fez sem querer conhecer as conseqüências do desastre.
Quando lá chegou, viu o farmacêutico sozinho, sem o filho que lhe entregara. Quis esganá-lo. Felizmente, o farmacêutico explicou tudo a tempo; o menino estava lá dentro com a família, e ambos entraram. O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco, fúria diversa, naturalmente, fúria de amor. Agradeceu depressa e mal, e saiu às carreiras, não para a Roda dos enjeitados, mas para a casa de empréstimo, com o filho e os cem mil-réis de gratificação. Tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou a volta do pequeno, uma vez que trazia os cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas palavras duras contra a escrava, por causa do aborto, além da fuga. Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas verdadeiras, abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto.
– Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.