Contribuição da extensão
para uma avaliação da UFRRJ
José Cláudio Souza Alves*
Uma instituição precisa se repensar, a cada
momento. Caso contrário, corre o risco de desconhecer a si mesma, sua origem,
seus objetivos e sua identidade. A avaliação é um dos momentos deste repensar.
E a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro vive este momento.
Os indicadores fazem parte desta avaliação. Qual a
pontuação que o MEC atribui à UFRRJ? Quantos cursos de pós-graduação possuem nível
6 ou 7, pela Capes? Quantos pesquisadores A1 do CNPq existem na instituição?
Quantos artigos são publicados em periódicos do topo do sistema Qualis, da
Capes? Quais são os indicadores das demais IFES que possuem o mesmo porte da
UFRRJ, na região Sudeste?
Existem, por outro lado, outros indicadores, que dizem
respeito ao cotidiano vivido por aqueles que fazem a comunidade universitária,
tão importantes quanto aqueles relacionados à excelência acadêmica e
científica. O acesso à alimentação, à moradia, ao sistema de informação, a
livros e bibliotecas, à segurança, ao transporte e locomoção, à relação
ambiental adequada com a natureza e os animais, ao trato não poluidor dos
resíduos, etc.
Os dois parágrafos acima reproduzem a forma
predominante pela qual as avaliações se iniciam, dentro da UFRRJ. Ela não é
exclusiva da Rural e retrata um modelo comum entre as IFES. Nos fala das
prioridades, dos temas mais importantes e mais visíveis, que orientam as
dinâmicas do mundo universitário.
Igualmente comum é a entrada, meio secundária da
extensão, na avaliação. O velho estigma da irmã pobre da indissociabilidade,
que funda a universidade pública, se reproduz neste lugar desimportante, quase
que pedindo desculpas e aligeirado, que a extensão ocupa.
Sem contar para a matriz orçamentária, que conta
cabeças de estudantes que entram e que saem formados. Sem possuir órgãos de
fomento e apoio, como Capes e CNPq e sem orçamento específico. Dependentes de
editais e ministérios de boa vontade, a extensão padece, internamente à
instituição, das mesmas contradições, oriundas do tratamento de âmbito federal.
Apesar do lugar e do modo que a extensão ocupa e é
tratada, ela indica questões relevantes para a avaliação e o repensar-se da
UFRRJ. Estas questões alterariam de forma radical o modo de reflexão e do
pensar institucional, recolocando a centralidade daqueles que mantêm e
sustentam de fato a universidade pública, a partir dos seus impostos: a
população que não tem acesso à universidade.
Os campi de Seropédica e Nova Iguaçu inserem-se em uma
região composta por Baixada Fluminense e Zona Oeste da Cidade do Rio de
Janeiro, aproximadamente 5 milhões de habitantes. O de Três Rios, localizado
mais distante, tem suas especificidades, mas reproduz, ao seu modo, o quadro
que se segue.
Nesta
região, estão localizados todos os piores indicadores sociais e ambientais do
estado e do país. Seropédica tem o pior Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica – Ideb do estado do Rio de Janeiro, que é o penúltimo no Ideb nacional.
Nova Iguaçu sustenta os piores índices de homicídios do país, juntamente com
Belford Roxo e Duque de Caxias, somente superados por Itaguaí, a quarta cidade
mais violenta do país. Mortes por diarréia, dengue, problemas cardíacos, parto,
meningite etc, avolumam-se em meio ao sucateamento, negligência e precariedade
do sistema de saúde. Cresce vertiginosamente o tráfico de drogas e o consumo de
substâncias que tornam obsoletas a cocaína e a maconha, na dependência, no
preço baixo e na destruição dos usuários, por exemplo, o crack.
Porto de Itaguaí, Arco Metropolitano, Companhia
Siderúrgica do Atlântico – TKCSA, Comperj, CTR Santa Rosa são apenas as pontas
mais visíveis do modelo de desenvolvimento calcado na indústria química e
siderúrgica, banida do primeiro mundo e com licença, fornecida pelo Estado,
para poluir, degradar, contaminar e matar plantas, animais e seres humanos,
aqui neste país “em desenvolvimento”.
O multimilionário Eike Batista constrói seu porto
seco, pagando pelo metro quadrado de terras na reta do Piranema R$ 40,00,
quando valia R$ 2,90, há meses atrás. A MRS Logística, concessionária da malha
ferroviária do Sudeste, da qual o próprio é um dos donos, quer utilizar 41 ha
das terras do campus Seropédica para estacionar suas composições, numa faixa de
70 metros de largura por 5 km de comprimento, isto é, todo o fundo dos 3.600 ha
existentes. A Marinha solicita utilizar as mesmas terras para construir 2.600
habitações para os funcionários do seu estaleiro, que visa a construção,
inclusive, de submarinos atômicos.
Neste cenário, qual seria o papel de uma
universidade pública? Associar-se ao modelo desenvolvimentista, norteado por
projetos destruidores do meio ambiente, como o Arco Metropolitano que arrancou
80 mil árvores, sem qualquer compensação e aterrou 17 sítios arqueológicos sem
nenhum estudo? Vincular-se à TKCSA em busca de fontes de bioenergia, enquanto a
mesma mata peixes, plantas e pessoas liberando limalha de ferro na atmosfera,
sem qualquer controle? Aceitar o uso das suas terras por empresas e projetos
que vão piorar ainda mais a realidade local, pela contaminação, pela exploração
e demais impactos sócio-ambientais?
Qual é o peso da UFRRJ no tabuleiro dos interesses
políticos e econômicos que se movimentam hoje nesta região? Que projetos educacionais,
de qualificação da rede pública deveriam ser estabelecidos, num diálogo
extremamente difícil com prefeituras e governo estadual e seus interesses
políticos? Que modelo de educação seria esta? Que política de inclusão se
poderia pensar? Que projetos de modificação na saúde, de diagnóstico e soluções
para doenças, epidemias, de atendimento e de sistema poderiam ser pensados?
Qual o impacto nas políticas públicas na educação e na saúde deveria ser
buscado?
Que projetos de desenvolvimento sustentável as
terras da Rural poderiam abrigar? No campo da agroecologia, da agrofloresta, na
sua produção, beneficiamento e comercialização, no cooperativismo e autogestão?
Que relação esta produção poderia ter com o abastecimento da rede pública e
ensino? Que produtos fitoterápicos poderiam interferir na saúde popular? Que
projetos sócio-ambientais, em conexão com os movimentos sociais urbanos e
rurais, poderiam ser pensados em termos de educação, preservação e recuperação
ambiental?
Que relação com os movimentos sociais poderiam ser
fortalecidos: movimentos contra a discriminação racial, religiosa, de gênero e
de opção sexual, movimentos dos sem terra, contra o latifúndio e contra as
multinacionais do agronegócio e seu monopólio sobre terras, sementes e
pesticidas que transformaram o Brasil no maior consumidor de agrotóxicos no
mundo, com seus 5 litros de veneno por pessoa, por ano?
As questões trazidas pela extensão permitiriam que os
índices MEC, Capes, CNPq, Qualis, Pinguifes, etc fossem orientados por um projeto
de universidade que alterasse significativamente a lógica predominante de
exploração, subordinação e degradação ao qual é submetido o povo e o meio
ambiente.
A comunidade universitária que aqui se forma e que
aqui se formula na construção do conhecimento passaria a ter o seu Sul
orientado por outras formas de relação com o mundo, não mais determinado pelo
mercado e pelos grupos políticos que vêm, comprovadamente, a cada crise,
saquear os fundos públicos a favor de banqueiros e indústrias da morte: poluidoras
e bélicas, assassinos dos mais pobres, por exemplo: África e Oriente Médio com seus
milhões de mortos e inválidos por fome.
A pergunta que a extensão faz a esta instituição
que se repensa é: qual o seu sentido para uma realidade tão desigual, injusta e
desumana como a nossa? Somos capazes de, fechados nos nossos indicadores acadêmicos
de excelência e de qualidade de vida universitária, alcançar a tão almejada
posição de destaque entre as demais IFES, sem respondermos ao compromisso com a
população que é atingida por tantas mazelas e descaso, mas que é a nossa
verdadeira fonte de existência e que, de fato, sustenta este país?
Somente buscando respostas a estas questões, a
UFRRJ poderá realmente construir o seu projeto de universidade, e deixar de ser
subordinada a projetos, editais, convênios e interesses políticos emanados dos
que possuem mais dinheiro e poder, com projetos tantas vezes opostos aos
interesses da maioria.
Aqui está o nosso: “decifra-me ou te devoro”. A
nossa palha e o nosso ouro. Pessoas, natureza, prédios, programas, projetos,
cursos, eventos, etc não competindo no ranking das IFES, sem concorrerem por
convênios, editais ou parcerias com o setor privado, mas em comunhão com a
maioria desta nação, caminhando com as próprias pernas, em direção aos
objetivos que decidiu alcançar.
*José Carlos Souza Alves é Pró-Reitor em Extensão da
UFRRJ.
Artigo publicado no site da Rural no dia 6 de
fevereiro de 2012