quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Artigo "Contribuição da extensão para uma avaliação da UFRRJ"


Contribuição da extensão para uma avaliação da UFRRJ

José Cláudio Souza Alves*

Uma instituição precisa se repensar, a cada momento. Caso contrário, corre o risco de desconhecer a si mesma, sua origem, seus objetivos e sua identidade. A avaliação é um dos momentos deste repensar. E a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro vive este momento.

Os indicadores fazem parte desta avaliação. Qual a pontuação que o MEC atribui à UFRRJ? Quantos cursos de pós-graduação possuem nível 6 ou 7, pela Capes? Quantos pesquisadores A1 do CNPq existem na instituição? Quantos artigos são publicados em periódicos do topo do sistema Qualis, da Capes? Quais são os indicadores das demais IFES que possuem o mesmo porte da UFRRJ, na região Sudeste?

Existem, por outro lado, outros indicadores, que dizem respeito ao cotidiano vivido por aqueles que fazem a comunidade universitária, tão importantes quanto aqueles relacionados à excelência acadêmica e científica. O acesso à alimentação, à moradia, ao sistema de informação, a livros e bibliotecas, à segurança, ao transporte e locomoção, à relação ambiental adequada com a natureza e os animais, ao trato não poluidor dos resíduos, etc.

Os dois parágrafos acima reproduzem a forma predominante pela qual as avaliações se iniciam, dentro da UFRRJ. Ela não é exclusiva da Rural e retrata um modelo comum entre as IFES. Nos fala das prioridades, dos temas mais importantes e mais visíveis, que orientam as dinâmicas do mundo universitário.

Igualmente comum é a entrada, meio secundária da extensão, na avaliação. O velho estigma da irmã pobre da indissociabilidade, que funda a universidade pública, se reproduz neste lugar desimportante, quase que pedindo desculpas e aligeirado, que a extensão ocupa.

Sem contar para a matriz orçamentária, que conta cabeças de estudantes que entram e que saem formados. Sem possuir órgãos de fomento e apoio, como Capes e CNPq e sem orçamento específico. Dependentes de editais e ministérios de boa vontade, a extensão padece, internamente à instituição, das mesmas contradições, oriundas do tratamento de âmbito federal.

Apesar do lugar e do modo que a extensão ocupa e é tratada, ela indica questões relevantes para a avaliação e o repensar-se da UFRRJ. Estas questões alterariam de forma radical o modo de reflexão e do pensar institucional, recolocando a centralidade daqueles que mantêm e sustentam de fato a universidade pública, a partir dos seus impostos: a população que não tem acesso à universidade.

Os campi de Seropédica e Nova Iguaçu inserem-se em uma região composta por Baixada Fluminense e Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro, aproximadamente 5 milhões de habitantes. O de Três Rios, localizado mais distante, tem suas especificidades, mas reproduz, ao seu modo, o quadro que se segue.

 Nesta região, estão localizados todos os piores indicadores sociais e ambientais do estado e do país. Seropédica tem o pior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb do estado do Rio de Janeiro, que é o penúltimo no Ideb nacional. Nova Iguaçu sustenta os piores índices de homicídios do país, juntamente com Belford Roxo e Duque de Caxias, somente superados por Itaguaí, a quarta cidade mais violenta do país. Mortes por diarréia, dengue, problemas cardíacos, parto, meningite etc, avolumam-se em meio ao sucateamento, negligência e precariedade do sistema de saúde. Cresce vertiginosamente o tráfico de drogas e o consumo de substâncias que tornam obsoletas a cocaína e a maconha, na dependência, no preço baixo e na destruição dos usuários, por exemplo, o crack.

Porto de Itaguaí, Arco Metropolitano, Companhia Siderúrgica do Atlântico – TKCSA, Comperj, CTR Santa Rosa são apenas as pontas mais visíveis do modelo de desenvolvimento calcado na indústria química e siderúrgica, banida do primeiro mundo e com licença, fornecida pelo Estado, para poluir, degradar, contaminar e matar plantas, animais e seres humanos, aqui neste país “em desenvolvimento”.

O multimilionário Eike Batista constrói seu porto seco, pagando pelo metro quadrado de terras na reta do Piranema R$ 40,00, quando valia R$ 2,90, há meses atrás. A MRS Logística, concessionária da malha ferroviária do Sudeste, da qual o próprio é um dos donos, quer utilizar 41 ha das terras do campus Seropédica para estacionar suas composições, numa faixa de 70 metros de largura por 5 km de comprimento, isto é, todo o fundo dos 3.600 ha existentes. A Marinha solicita utilizar as mesmas terras para construir 2.600 habitações para os funcionários do seu estaleiro, que visa a construção, inclusive, de submarinos atômicos.

Neste cenário, qual seria o papel de uma universidade pública? Associar-se ao modelo desenvolvimentista, norteado por projetos destruidores do meio ambiente, como o Arco Metropolitano que arrancou 80 mil árvores, sem qualquer compensação e aterrou 17 sítios arqueológicos sem nenhum estudo? Vincular-se à TKCSA em busca de fontes de bioenergia, enquanto a mesma mata peixes, plantas e pessoas liberando limalha de ferro na atmosfera, sem qualquer controle? Aceitar o uso das suas terras por empresas e projetos que vão piorar ainda mais a realidade local, pela contaminação, pela exploração e demais impactos sócio-ambientais?

Qual é o peso da UFRRJ no tabuleiro dos interesses políticos e econômicos que se movimentam hoje nesta região? Que projetos educacionais, de qualificação da rede pública deveriam ser estabelecidos, num diálogo extremamente difícil com prefeituras e governo estadual e seus interesses políticos? Que modelo de educação seria esta? Que política de inclusão se poderia pensar? Que projetos de modificação na saúde, de diagnóstico e soluções para doenças, epidemias, de atendimento e de sistema poderiam ser pensados? Qual o impacto nas políticas públicas na educação e na saúde deveria ser buscado? 

Que projetos de desenvolvimento sustentável as terras da Rural poderiam abrigar? No campo da agroecologia, da agrofloresta, na sua produção, beneficiamento e comercialização, no cooperativismo e autogestão? Que relação esta produção poderia ter com o abastecimento da rede pública e ensino? Que produtos fitoterápicos poderiam interferir na saúde popular? Que projetos sócio-ambientais, em conexão com os movimentos sociais urbanos e rurais, poderiam ser pensados em termos de educação, preservação e recuperação ambiental?

Que relação com os movimentos sociais poderiam ser fortalecidos: movimentos contra a discriminação racial, religiosa, de gênero e de opção sexual, movimentos dos sem terra, contra o latifúndio e contra as multinacionais do agronegócio e seu monopólio sobre terras, sementes e pesticidas que transformaram o Brasil no maior consumidor de agrotóxicos no mundo, com seus 5 litros de veneno por pessoa, por ano?

As questões trazidas pela extensão permitiriam que os índices MEC, Capes, CNPq, Qualis, Pinguifes, etc fossem orientados por um projeto de universidade que alterasse significativamente a lógica predominante de exploração, subordinação e degradação ao qual é submetido o povo e o meio ambiente.

A comunidade universitária que aqui se forma e que aqui se formula na construção do conhecimento passaria a ter o seu Sul orientado por outras formas de relação com o mundo, não mais determinado pelo mercado e pelos grupos políticos que vêm, comprovadamente, a cada crise, saquear os fundos públicos a favor de banqueiros e indústrias da morte: poluidoras e bélicas, assassinos dos mais pobres, por exemplo: África e Oriente Médio com seus milhões de mortos e inválidos por fome.

A pergunta que a extensão faz a esta instituição que se repensa é: qual o seu sentido para uma realidade tão desigual, injusta e desumana como a nossa? Somos capazes de, fechados nos nossos indicadores acadêmicos de excelência e de qualidade de vida universitária, alcançar a tão almejada posição de destaque entre as demais IFES, sem respondermos ao compromisso com a população que é atingida por tantas mazelas e descaso, mas que é a nossa verdadeira fonte de existência e que, de fato, sustenta este país?

Somente buscando respostas a estas questões, a UFRRJ poderá realmente construir o seu projeto de universidade, e deixar de ser subordinada a projetos, editais, convênios e interesses políticos emanados dos que possuem mais dinheiro e poder, com projetos tantas vezes opostos aos interesses da maioria.

Aqui está o nosso: “decifra-me ou te devoro”. A nossa palha e o nosso ouro. Pessoas, natureza, prédios, programas, projetos, cursos, eventos, etc não competindo no ranking das IFES, sem concorrerem por convênios, editais ou parcerias com o setor privado, mas em comunhão com a maioria desta nação, caminhando com as próprias pernas, em direção aos objetivos que decidiu alcançar.

*José Carlos Souza Alves é Pró-Reitor em Extensão da UFRRJ.
Artigo publicado no site da Rural no dia 6 de fevereiro de 2012


Nenhum comentário: