Queridos,
fiquei completamente encantada com esse curta de animação vencedor do Oscar de 2012.
Vale conferir!
"Ninguém aprende sozinho. Tampouco ninguém ensina ninguém. Os homens aprendem em comunhão, mediatizados pelo mundo". Paulo Freire
sábado, 30 de junho de 2012
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Algumas considerações sobre estilo (Parte I)
Por Luciana Messeder
Estilo s.m. 1 maneira peculiar de se expressar, de
se vestir, de viver etc. 2 tendência
artística 3 elegância 4 haste com o que os antigos escreviam
em tábuas cobertas de cera. (Dicionário
Houaiss)
A palavra estilo,
atualmente, apresenta uma variedade de conceitos e, com eles, numerosas
tentativas de defini-la. Tornou-se corrente em nossos dias chamar de estilo
“tudo que possa apresentar características particulares, das coisas mais banais
e concretas às mais altas criações artísticas”(Martins, 2000, p. 1).
No entanto, se
procurarmos pela origem dessa palavra, veremos que seu significado era bastante
específico e modesto. Segundo Martins “designava em latim – stillus – um instrumento pontiagudo,
usado pelos antigos para escrever sobre tabuinhas enceradas e daí passou a
designar a própria escrita e o modo de escrever” (Martins, op. cit., p. 1).
Apesar de sua origem
modesta, os estudos acerca da língua e seus sistemas expressivos – a partir,
principalmente, do século XX – tornaram a simples pergunta “O que é estilo?” além
de embaraçosa, bastante complexa. [1]
Se acompanharmos
historicamente os principais estudos – dentro de uma nova disciplina, a
Estilística, surgida no século XX e ligada à Lingüística –, que envolvem as
definições de estilo, veremos “que vários linguistas têm procurado
classificá-las [as definições] de acordo com os critérios em que elas se
fundamentam”(Martins: op. cit. p. 1). Dessa forma, “desvio de norma”;
“elaboração”; “conotação”; “adição”; “escolha”; “conjunto de características
individuais”; “conjunto de características coletivas”, são algumas definições
do fenômeno estilo e, a partir delas, podemos vislumbrar a complexidade que tal
estudo abarca.
Para a feitura do
presente artigo, a definição que Othon Moacyr Garcia dá à palavra estilo será de
fundamental importância:
“Estilo é tudo aquilo
que individualiza obra criada pelo homem, como resultado de um esforço mental,
de uma elaboração do espírito, traduzido em idéias, imagens ou formas
concretas. A rigor, a natureza não tem estilo; mas tem-no o quadro em que o
pintor a retrata ou a página em que o escritor a descreve” (Garcia, 1996, p.
103).
Estilo e Língua portuguesa
A língua é um repertório
de possibilidades expressivas, um sistema posto à disposição dos usuários que o
utilizam de acordo com suas necessidades de expressão. Cada usuário pratica uma
escolha, i. e., um estilo, quando produz enunciados.
No domínio da Língua
portuguesa várias obras se ocupam do estudo de sua expressividade. Um
importante estudo, sem dúvida, é Contribuição
à estilística portuguesa (1952), de Mattoso Câmara Jr., na qual o autor
considera a Estilística uma disciplina complementar da Gramática, pois enquanto
esta estuda a língua como meio de representação da realidade, a Estilística
estuda a língua como meio de expressão. Para o citado autor, o estilo seria
justamente um tipo de uso da língua que ultrapassaria o plano intelectivo,
alcançando efeitos expressivos. [2]
As possibilidades
estilísticas da Língua portuguesa, isto é, “os meios que ela oferece aos que
falam ou escrevem para manifestarem estados emotivos e julgamentos de valor, de
modo a despertarem em quem ouve ou lê uma reação também de ordem afetiva” (Martins,
op. cit., p. 23), podem ser examinadas em três níveis, a saber: fonético,
léxico e sintático.
Dessa maneira, o fato
estilístico pode ser apreendido por meio da Estilística fônica (valores
expressivos de natureza sonora observáveis nas palavras e no enunciado); da
Estilística léxica (aspectos expressivos das palavras ligados aos seus components
semânticos e morfológicos) e da Estilística sintática (valores expressivos
ligados à constituição das frases). [3]
Notas
[1] Processo análogo ao que ocorre com a pergunta “O que é literatura?”.
[1] Processo análogo ao que ocorre com a pergunta “O que é literatura?”.
[2] Aqui
vale uma reflexão acerca da relação Expressividade/Literatura: ao longo do
século passado, estudiosos renomados como Leo Sptzer, Erich Auerbach, Dámaso
Alonso e Amado Alonso observaram em seus estudos que todo trabalho literário
pressupõe uma reflexão acerca dos recursos expressivos da língua. Assim, a
partir de suas investigações, puderam comprovar que na obra literária o fato
estilístico atinge sua máxima intensidade. Essa corrente, conhecida como
Estilística literária, como nos lembra Martins, tinha como objetivo a busca
pela natureza poética do texto. Vale lembrar que, de acordo com a autora, “o
conhecimento da língua do ângulo da expressividade constitui o passo inicial
para a compreensão e valoração dos textos literários” (Martins, op. cit., p.
23).
[3] Torna-se
importante ressaltar a flexibilidade desses três níveis: se no nível fônico, i.
e., a parte sonora da língua encontramos um repertório bem delimitado – não há
possibilidade de o falante criar novos fonemas –, nos domínios léxico e
sintático observamos que o usuário possui uma liberdade mais ampla, o que lhe
permite a possibilidade de produzir um número infinito de frases novas,
compreensíveis e gramaticalmente corretas.
Referências Bibliográficas
CÂMARA, Jr., Mattoso. Contribuição à estilística portuguesa, 1952.
GARCIA, Othon Moacyr. Comunicação em prosa moderna: aprender a
escrever, aprendendo a pensar.
Rio de Janeiro: Editora fundação Getúlio Vargas, 1996.
HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro
Salles. Dicionário Houaiss da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003.
MARTINS, Nilce Sant’Anna Martins. Introdução à estilística: a expressividade
da língua portuguesa. São Paulo: T. A. Queiroz, 2000.
P.S.: Em breve publicarei a Parte II.
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sábado, 23 de junho de 2012
sexta-feira, 22 de junho de 2012
"A Pipoca", Rubem Alves
"A culinária me fascina. De vez em
quando eu até me atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as
palavras que com as panelas. Por isso tenho mais escrito sobre comidas que
cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de "culinária literária".
Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas,
ora-pro-nóbis, picadinho de carne com tomate, feijão e arroz, bacalhoada,
suflês, sopas, churrascos. Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro
poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A festa de Babette, que é uma
celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e
competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta,
psicanalista e teólogo – porque a culinária estimula todas essas funções do
pensamento.
As
comidas, para mim, são entidades oníricas. Provocam a minha capacidade de
sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me
fazer sonhar. Pois foi precisamente isso oque aconteceu. A pipoca, milho
mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira
deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás,
conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na
minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. Percebi,
então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento
nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.
A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela.
A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela.
Lembrei-me
do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem. Para
os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue
de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não
é vida...) Pão e vinho devem ser bebidos juntos.
Vida
e alegria devem existir juntas. Lembrei-me, então, da lição que aprendi com a
Mãe Stella, sábia poderosa do candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada
do candomblé.
A
pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse eu agricultor ignorante, e se
no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria
bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de
tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei
como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar
as espigas e colocá-Ias numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos
amolecessem e pudessem ser comidos. Havendo fracassado a experiência com água,
tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.
Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme
barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros
quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças
podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples
operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de
todos, especialmente das crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!
E
o que é que isso tem a ver com o candomblé? É que a transformação do milho duro
em pipoca macia é símbolo da grande transformação por que devem passar os
homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o
que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da
pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer; pelo poder do
fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa voltar a ser
crianças!
Mas
a transformação só acontece pelo poder do fogo.
Milho
de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.
Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos
pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São
pessoas de uma mesmice e de uma dureza assombrosas. Só que elas não percebem.
Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o
fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor.
Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um
emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade,
depressão - sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso aos
remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a
possibilidade da grande transformação.
Imagino
que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais
quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura,
fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar
a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que
ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação
acontece: pum! - e ela aparece como uma outra coisa, completamente diferente,
que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do
casulo como borboleta voante.
Na
simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e
ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É
preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro. "Morre e
transforma-te!" - dizia Goethe.
Em
Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas
descobri que eles ignoram o que sejam. Alguns, inclusive, acharam que era
gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me
valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Pimá é o milho de
pipoca que se recusa a estourar. Meu amigo William, extraordinário
professor-pesquisador da Unicamp,
especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da
pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no
mundo da poesia, as explicações científicas não valem. Por exemplo: em Minas
"pimá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar.
Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei pimá!" Mas acho
que o poder metafórico dos piruás é muito maior. Pimás são aquelas pessoas que,
por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir
coisa mais maravilhosa do que o jeito de elas serem. Ignoram o dito de Jesus:
quem preservar a sua vida perde-la-á. Sua presunção e o seu medo são a dura
casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a
vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria
para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os
piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.
Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser
crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira."
quinta-feira, 21 de junho de 2012
Algumas Palavras na Cúpula dos Povos
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quarta-feira, 20 de junho de 2012
Mais imagens da Marcha
Aí vão algumas fotos que tirei da Marcha contra a mercantilização da vida:
Veja aqui um vídeo muito bacana sobre a marcha. (Ganha um doce quem conseguir me encontrar nele, rs).
Veja aqui um vídeo muito bacana sobre a marcha. (Ganha um doce quem conseguir me encontrar nele, rs).
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"Crime quente ou crime frio?", Arnaldo Jabor
"Cara, matar o homem eu entendo, até eu podia matar, mas esquartejar!... Ah, isso é demais!" Ouvi essa frase várias vezes desde o nefando crime. "Matou a mãe sem motivo" - assim eram as famosas manchetes dos jornais policiais d'antanho. Assassinos comuns nos confortam com seus motivos bárbaros (miséria, ignorância), mas o esquartejador tira-nos o sossego da alma, pois há entre nós e a loucura um limite que é quase nada. Lembram daquele cirurgião que desmembrou a namorada, alegando "legítima defesa"? E aquele garoto que matou pai e mãe nos Jardins de São Paulo e que a rica família conseguiu esconder? E o caso Isabela, e a Suzanne? Fica um buraco vazio em nossa memória. Não aguentamos viver sem clareza entre o bem e o mal.
Entendemos até as quentes paixões assassinas, mas o horror é gelado. A Elize disse que matou por ciúmes, por amor, para realizar ao avesso um pavoroso amor/ódio que lhe devorava a alma.
Agora, surgiu um legista barbudo que nos trouxe uma nova versão e (talvez) alívio de entendimento: "Foi muito difícil fazer a necropsia de muitos pedaços em saquinhos de plástico" - reclamou -, "mas, creio que ele ainda estava vivo quando foi degolado". E aí?
Isso nos conforta ou apavora? Essa versão de crime 'quente' torna a mulher mais monstro ou menos monstro?
A cena: o Matsunaga caído vê, num flash, sua amada, com a faca que cortara a pizza, rasgando sua garganta - um raio antes da escuridão total. Por um segundo, houve a testemunha do gesto. Por um instante, houve um fotograma de filme de horror, um fotograma de cinema realista mais crível que a fria cirurgia da vingança. Como no cinema, a verossimilhança é exigência das plateias. O crime seco faz menos sucesso. Se ela o degolou vivo, é bom para a defesa ou para a acusação? Ela, impulsionada pelo ódio, aumenta ou diminui a gravidade do homicídio? O que é mais desumano - o sangue quente ou sangue frio?
No crime quente haveria ao menos uma espécie de 'confissão' à vítima, quase um diálogo. Ele veria a própria morte e não seria apagado como um abajur e transformado em pacotinhos nas bolsas Vuitton. Vejo nas revistas que fica mais fácil classificá-la de 'monstro', se ele foi degolado vivo. Ela seria mais cruel, mais violenta, porém mais compreensível. "Presa de desatino, arrancou à faca o coração do amante" - dizia outra antiga manchete. (Este texto vai meio 'esquartejado' também, porque é impossível fechar tudo numa síntese, exatamente como é impossível para o legista juntar as partes e alcançar um sentido único.)
E se o crime foi gelado? No caso da morte fria, o japonês não saberia nem que morrera. E teríamos não apenas a crueldade, mas a burocrática cirurgia da vingança. Ela poderia ter chamado a polícia, entregar o corpo intacto, confessar o crime por autodefesa e ser inocentada em julgamento. Mas, ela era, como os jornais sempre repetem, uma "garota de programa", uma puta, claro, essa palavra tão odiosa quanto desejada. Nós pagamos a prostituta para ela não existir. E subjaz no freguês, em muitos putanheiros, além do medo de amar, uma vontade secreta de ser bom, de merecer a gratidão da mulher. Por medo e desejo, o Matsunaga gostava de se sentir 'salvador', protegido pela gratidão das 'decaídas'.
Mas, hoje as prostitutas se respeitam, são profissionais sem culpa. Antes, o freguês era o "sujeito" dos bordeis. Hoje, ele é o objeto. Há um vento gelado nos lupanares atuais, limpos, rápidos como uma lanchonete. Há algo de McDonald's nos puteiros contemporâneos.
Nos noticiários há uma sutil analogia entre putaria e crime, entre a mulher que se dá em pedaços a qualquer um e depois esquarteja. Ela deve ter pensado: "Vou perder tudo que tenho; logo, tenho de esconder o corpo".
O desmembramento desperta em nós uma curiosidade macabra, semelhante à fantasia primitiva de assistirmos à própria fecundação, a chamada 'cena primária' dos pais se amando: os dois corpos juntos com uma faca entre eles.
A cena: A moça deu o tiro. Instalou-se na casa um grande silêncio. O clima é outro; não um violento melodrama, mas um seco documentário.
A filha dormia, a babá tinha ido embora, os quadros estavam nas paredes, os restos de pizza esfriavam e os dois ficaram sozinhos.
Sentou no sofá para pensar no que fazer, foi buscar a faca de cortar a pizza, esperou o sangue coagular e dedicou-se à metódica tarefa de corte.
Eu acho mais terrível a solidão dos dois: ela viva e ele virado em coisa. Enfim, sós - quase um "tête-à-tête". O que aterroriza é a naturalidade do trabalho da assassina, como se trincha uma galinha. No Holocausto, o mais espantoso era a zelosa banalidade do extermínio - quantos dentes de ouro, quantos óculos, quantos anéis.
O esquartejamento é uma segunda morte. É o contrário da tortura em que o desesperado desejo da vítima é morrer. No caso, o que houve foi uma tortura post-mortem, em que a vítima não sentia mais nada, mas era preciso que fosse desumanizada, impedida para sempre de subir aos céus, de reencarnar. É isso que o esquartejador almeja: privar o morto até da morte, impedir uma identidade para o corpo.
O que me fascina nas prostitutas não é a falta de uma 'moralidade', não é o 'pecado' atribuído a suas vidas; o que impressiona é a espantosa mutação existencial provocada por centenas de pedaços de seu corpo dado a fregueses, anos a fio. Como fica a cabeça de uma prostituta, mistura de heroína com desgraçada, com uma experiência de humilhações que ninguém tem?
A marca da prostituição é muito profunda. Mesmo assim, na maioria delas mora um desejo de amor para além do "michê". Tentam, mas são humilhadas na gratidão. O cara tira a mulher da 'vida fácil' e isso nunca é esquecido pelos dois. Um dia virá a frase: "Vai voltar para o lixo, sua puta!" Ou seja, não adianta procurarmos uma explicação que sintetize o crime, como se a vida social fosse um contrato de bom senso. Como se fôssemos animais racionais e a loucura, um desvio. É o contrário, irmãos...
segunda-feira, 18 de junho de 2012
VOLP-98 e o caso do hífen de bem-vindo
Gente,
confesso que ainda não me acostumei com a nova grafia
de bem-vindo:
Benvindo
(!?)
Como assim?
Como
nos lembra o professor José Maria da Costa “na segunda edição do VOLP, de 1998, hoje superada,
permitiam-se as duas formas, bem-vindo e benvindo”.
Em
um excelente artigo sobre o tema, ele esclarece muito bem essa questão.
Vale conferir!
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domingo, 17 de junho de 2012
quinta-feira, 14 de junho de 2012
quarta-feira, 13 de junho de 2012
domingo, 10 de junho de 2012
O primeiro ano de Analu - preparativos
Queridos,
dia 14 de junho Analu completará seu primeiro aninho!
Que emoção ver minha filhotinha crescer!
Estou adorando fazer a festinha da Galinha Pintadinha:
Detalhe do convite
Para a gelatina dos bebês
Para as balas de coco
Lembranças
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sábado, 9 de junho de 2012
Manifestação contra a presença de Ahmadinejad na "Rio +20"
Campanha da Unicef
Diversos grupos da sociedade civil, entre os quais os movimentos negro, de homossexuais e de minorias religiosas, como a comunidade judaica, participarão de manifestações em cidades brasileiras contra a presença do presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad na “Rio+20”, que será realizada de 13 a 22 de junho, no Rio de Janeiro.
A Manifestação da Sociedade contra o discurso do ódio de Mahmud Ahmadinejad - "Intolerância não se sustenta" - será realizada em Ipanema, Posto 8, domingo 17 de junho, a partir das 11 horas.
APOIADO!!!
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quinta-feira, 7 de junho de 2012
quarta-feira, 6 de junho de 2012
"Livros fundamentais para ser bom jornalista", de Xico Sá
"Bora ler, amigos(as), assim como eu fiz, não vamos cair nesse conto que a nova Clase C é importante por si mesma. Empregada(0) só aparece em novela ou no “Fantástico” com destaque por causa do consumo besta e imediato.
Se você veio de baixo, jamais acredite nesse truque da visibilidade sem leitura ou sem educação.
Só Odair José, ídolo, 40 anos antes, cantou a bola e a empregada. A TV agora, repito, agora só quer beliscar o novo possível consumo. CRÁPULAS correndo atrás do atraso histórico.
A leitura decidiu tudo em minha vida e na vida de todos que vieram das classes populares.
Repito aí uma listinha para quem pretende escrever ou ser um bom jornalista:
A alma encantadora das ruas – de João do Rio (disponível por diversas editoras)– O dândi carioca sabia tudo sobre a arte de flanar pela cidade e tirar dela, ainda em 1908, belas histórias.
Um Bom Par De Sapatos E Um Caderno De Anotaçoes – Como Fazer Uma Reportagem -de Anton Tchekhov (editora Martins Fontes).Toda a riqueza de observação e detalhes que usava nos seus contos e peças, a favor do jornalismo-literário em uma reportagem de viagem.
Balas de Estalo – reunião crônicas políticas e de costumes de Machado de Assis –publicado por várias editoras.
Dez dias que abalaram o mundo – John Reed (ed.Conrad)–De uma forma eletrizante, punk-rock mesmo, o autor narra os acontecimentos da revolução russa de 1917.
Paris é uma festa – E. Hemingway (ed.Bertrand Brasil) –As pereguinaçoes boêmias de um dos maiores narradores americanos e a sua convivência com grandes artistas franceses. Para aprender a escrever e observar o mundinho artístico.
Na pior em Paris e Londres – George Orwell (Companhia das Letras, coleção Jornalismo Literário) –A experiência de miserável do autor de “1984”.Aula de escrita e humanismo pelos subterrâneos das cidades.
O Segredo de Joe Gould,de Joseph Mitchell (Cia das Letras). Aula genial de como fazer um perfil de um puta personagem praticamente anônimo de NY, um desses vagabundos que vemos por e mal sabemos da sua genialidade.
Malagueta, perus e bacanaço (ed.Cosac & Nayfi-João Antônio- O universo marginal dos salões de sinuca, rodas de sambas e madrugadas nos bares. Narrativa coloquial e maldita.
Dicas úteis para uma vida fútil -um manual para a maldita raça humana – Mark Twain (ed.Relume Dumará). Um grande almanaque com dicas de etiqueta, moda, comportamento, costumes. Tudo da forma mais mordaz possível. Pra rir e aprender.
O perigo da hora – o século XX nas páginas do The Nation (ed.Scritta). Textos de gênios do jornalismo e da literatura como Kurt Vonnnegut, H.L. Mencken, Gore Vidal, John dos Passos entre outros bambas.
O livro dos insultos – H.L.Menken (Cia das Letras) –Influência importante para muita gente no Brasil, como Ruy Castro e Paulo Francis, por exemplo, com Menken você aprende a ser crítico, ácido e ter uma pena maldita.
Medo e delírio em Las Vegas– (ed.Conrad) A lista não poderia faltar pelo menos uma obra-prima do rei do jornalismo gonzo, a forma mais maluca e ousada de contar histórias. Foi adaptado para o cinema em 1998, pelo diretor Terry Gilliam.
Sim, não esqueçam, tudo do Nelson Rodrigues, óbvio ululante.
Mais sugestões, por favor, vamos enriquecer essa estante. Ja vi aqui que faltou Capote, ja vi aqui que faltou Lima Barreto… Só vocês salvam, amigos!"
Fonte: Blogs Folha.com, em 5 de junho de 2012.
terça-feira, 5 de junho de 2012
Em defesa de uma biblioteca virtual
*Por Alexandre Nodari, Eduardo Sterzi,
Eduardo Viveiros de Castro, Idelber Avelar, Pablo Ortellado, Ricardo Lísias e
Veronica Stigger
A liberdade de expressão moderna é
indissociável da invenção da imprensa, ou seja, da possibilidade de reproduzir
mecanicamente discursos e imagens, fazendo-os circular e durar para além
daquele que os concebeu. A própria formação da esfera pública, bem como do
ambiente de debate científico e universitário, está umbilicalmente conectada à generalização
do acesso aos bens culturais. Sem a disseminação da diversidade e do confronto
de opiniões e de teorias, a liberdade de expressão perde seu sopro vital e se
torna mero diálogo de surdos, quando não monólogo dos poderosos.
A internet
eleva ao máximo o potencial democrático da circulação do pensamento. E coloca,
no centro do debate contemporâneo, o conflito entre uma visão
formal-patrimonialista e outra material-comunitária da liberdade de expressão.
Tal cisão, bem real, pareceria manifestar-se no conflito entre direitos
autorais e direito de acesso. Estes não são, porém, necessariamente
antagônicos, pois o prestígio moral e econômico de um autor ou de uma obra
está, em última análise, ligado à sua visibilidade. São incontáveis os exemplos
de escritores e editoras que não só se tornaram mais conhecidos, como tiveram
um incremento na venda de suas obras depois que estas apareceram para download.
O público que baixa livros é o mesmo que os compra.
Assim, o verdadeiro
conflito não é entre proprietários e piratas, mas entre monopolistas e
difusionistas. A concepção monopolista-formal dos direitos autorais está
embasada na ideia de que aquilo que confere valor à obra é a sua raridade, o
seu difícil acesso; já a difusionista-democrática se ampara na inseparabilidade
de publicidade e valor. A internet favorece a segunda concepção, uma vez que a
existência física do objeto cultural que sustentava a primeira vai sendo
substituída por sua transformação em entidade puramente informacional. Desse
modo, também se produz uma transformação da natureza das bibliotecas. As novas
bibliotecas virtuais se baseiam no armazenamento e na disseminação tais como as
antigas bibliotecas materiais, mas oferecem uma mudança decisiva porque a
estocagem depende da distribuição e não o contrário: é a difusão que garante o
armazenamento descentralizado dos arquivos.
É uma biblioteca sem fins
lucrativos e construída nesses moldes modernos e democráticos que se acha sob
ameaça devido ao processo movido pela Associação Brasileira de Direitos
Reprográficos (ABDR), sob o pretexto de infringir direitos autorais. O alto
preço dos livros, o desaparelhamento das bibliotecas públicas e o encarecimento
do xerox levaram um estudante universitário a disponibilizar online textos
esgotados ou de difícil acesso para seus colegas. A iniciativa cresceu, atraiu
a atenção de estudantes e professores de todo o país e se tornou a mais
conhecida biblioteca virtual brasileira de textos acadêmicos, ganhando
prestígio comparável ao site “Derrida en castellano”, que sofreu processo
semelhante e foi absolvido nas cortes argentinas, como esperamos que o
“livrosdehumanas.org” o será pela Justiça brasileira.
Os defensores da
concepção patrimonialista dos direitos autorais costumam pintar cenários
catastróficos em que a circulação irrestrita de obras gera esterilidade
criativa. No entanto, ignoram, ou fingem ignorar, que os textos nascem sempre
de outros textos e que o autor é, antes de tudo, um leitor. Hoje, lamentamos a
destruição das grandes bibliotecas do passado, como a de Alexandria, e das
riquezas que elas protegiam. Poupemo-nos de chorar um dia pela aniquilação das
bibliotecas virtuais e pela cultura que elas podiam ter gerado.
*Alexandre Nodari é doutor em Teoria Literária pela UFSC e editor da Cultura e Barbárie; Eduardo Sterzi é escritor e professor de Teoria Literária na Unicamp; Eduardo Viveiros de Castro é antropólogo e professor do Museu Nacional/UFRJ; Idelber Avelar é crítico literário e professor da Tulane University (Nova Orleans, EUA); Pablo Ortellado é professor de Gestão de Políticas Públicas e de Estudos Culturais na USP, coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai); Ricardo Lísias é escritor, autor de “O céu dos suicidas”, entre outros; Veronica Stigger é escritora, professora de História da Arte na FAAP, coordenadora do curso de Criação Literária da Academia Internacional de Cinema (AIC).
*Alexandre Nodari é doutor em Teoria Literária pela UFSC e editor da Cultura e Barbárie; Eduardo Sterzi é escritor e professor de Teoria Literária na Unicamp; Eduardo Viveiros de Castro é antropólogo e professor do Museu Nacional/UFRJ; Idelber Avelar é crítico literário e professor da Tulane University (Nova Orleans, EUA); Pablo Ortellado é professor de Gestão de Políticas Públicas e de Estudos Culturais na USP, coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai); Ricardo Lísias é escritor, autor de “O céu dos suicidas”, entre outros; Veronica Stigger é escritora, professora de História da Arte na FAAP, coordenadora do curso de Criação Literária da Academia Internacional de Cinema (AIC).
Fonte: O Globo
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segunda-feira, 4 de junho de 2012
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