quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Outra surpresa!!!

Queridos,
tinha acabado de postar o cineminha literário II e resolvi namorar um pouco meu exemplar Poesia completa e prosa, de Manuel Bandeira (chique, né?), quando encontrei a crônica que M.B. fez para o vídeo/documentário que está no youtube!
Não resisti e digitei tudo (ufa!).
Bom, então, eis o meu presente de Natal para vocês:
Fui filmado
Primeiro vieram o diretor e o seu assistente. Para estudar o local, cujas dimensões tornavam a filmagem particularmente difícil. Começou então um trabalho que me pareceu penoso, misterioso, minucioso. Eram medidas com trena, miradas por um instrumentozinho bonito chamado “visor”, deslocamentos de móveis. De uma vez que entrei na cozinha,onde o diretor e o assistente agiam, tive a impressão das primeiras horas depois de um terremoto ou da explosão de uma bomba de hidrogênio. Nesses deslocamentos o que mais me invocou foi a instabilidade de minha torradeira elétrica. Um dia estava aqui, outro dia ali, depois acolá. E eu que pensava que a torradeirazinha era a coisa mais qualquer deste mundo!UMA PERSONAGEM. Respeito-a agora como tal. O diretor e o assistente traziam sempre uns caderninhos, onde faziam cálculos e cálculos.
Afinal chegou o dia de filmar. Entraram-me apartamento adentro umas malas, umas tripeças, refletores, cabos de transmissão elétrica, o diabo. Tudo isso passou a morar na minha sala de visitas com um ar de perfeita e irremovível felicidade. A equipe de operadores era agora completa: além do diretor e do assistente, havia o gerente de produção débrouillard e simpaticão, a me tratar com desvelo de uma ba para com seu garotinho, o camera-man, com um ar de jovem arquiteto construtor de Brasílias; o fotógrafo, que imediatamente tentou converter-me ao espiritismo. O que mais me assombrou nessa gente foi a sua paciência. Aturavam impassíveis as vicissitudes mais inesperadas. Qualquer tomadinha à toa, coisa que dura uns segundos, leva horas a ser preparada. Eis que tudo estando pronto para rodar, o sol desaparece (ou aparece, é o mesmo), ou numa cena de exterior, no meu famoso pátio, surge uma turma de garis para varrê-lo, e como a imundície lá é sempre grande, o fiscal da prefeitura faz parar tudo, porque “aquilo iria depor contra a sua repartição”.
E a minha parte nisso tudo? De amargar. Pior do que posar para o Celso Antônio. Há que repetir cada tomadinha uma porção de vezes.Vários ensaios e vários a valer, e vale tudo! Ainda tenho nos ouvidos, ai tão surdinhos! as ordens de comando do diretor: “Atenção! Câmara! AÇÃO!” Leitores que nunca vistes fazer um filme, ainda que um simples documentário de oito minutos, como este meu, sabei que uma fita não é, que esperança, essa escorrida e escorreita continuidade que apreciamos prazerosamente nas salas de cinema: é, sim, uma seqüência de tomadas de segundos, cada uma das quais se leva horas a compor com mil atenções especiais, e basta que não se atenda a um detalhe mínimo, para pôr tudo a perder. Eu tinha muita pena de ator, que considero profissão duríssima. Agora passei a minha pena para os profissionais do cinema. Para se meter numa e noutra vida é preciso ter paixão pela coisa, ser tarado. Como meu afilhado de crisma, Joaquim Pedro, a quem desde já perdôo as intermináveis horas que me fez bancar o astro de cinema. [30.IX.1959]
(Bandeira, Manuel. In: Andorinha, Andorinha,1966)
Então, o que me dizem?

Que tal um cineminha literário? Parte II

Queridos,
ano passado, quando postei “Que tal um cineminha literário?”, http://parameusalunos.blogspot.com/2008/08/que-tal-um-cineminha-literrio.html , senti falta de um vídeo sobre Manuel Bandeira. Lembro-me de ter procurado muito e não ter encontrado nenhum material que considerasse realmente interessante.
Não é que para minha surpresa isso mudou? Estava um dia desses garimpando vídeos no youtube e encontrei um verdadeiro tesouro! Trata-se de um vídeo (“O habitante de Pasárgada”) que faz parte do DVD "Encontro Marcado com o cinema de Fernando Sabino e David Neves". Vale a pena conferir! O endereço é http://www.youtube.com/watch?v=acWHzVBs394
Bom, nada melhor do que um poema de Bandeira para encerrar este post, né?
Belo Belo
Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero
(Petrópolis, fevereiro de 1947, In: Belo Belo, 1948)
Então, o que me dizem?

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Autobiografia e Diário: algumas considerações

Por Luciana Messeder
                              
     Quando falamos em prosa memorialística, é muito comum que venham à nossa mente seus gêneros mais consagrados, tais como a autobiografia, a biografia, as memórias, as cartas, os diários, os testemunhos e as confissões.
     Embora não tenha como objetivo abarcar todos os gêneros citados acima, este ensaio se propõe ao estudo de algumas características presentes na autobiografia e no diário. Para tanto, utilizarei como referencial teórico o excelente livro de Philippe Lejeune (O pacto autobiográfico. De Rousseau à Internet. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008), cuja leitura recomendo a todos que se interessem pelo tema.
***
Primeiras considerações


É sabido que a identidade de toda e qualquer pessoa se constitui em narrativas. Organizar a matéria caótica de uma vida, os emaranhados de tempos, pessoas, lugares, sentimentos e experiências é o desafio colocado ao sujeito que se propõe narrar sua existência.
O trabalho com a memória situa-se entre o tempo da escrita (presente) e o tempo narrado (passado), podendo, muitas vezes, tornar-se uma árdua batalha. O mergulho no passado está sempre sujeito a enganos, confusões, distorções, bem como esquecimentos (conscientes ou inconscientes).
Nesse sentido, em primeiro lugar, a prosa memorialística deve ser tomada como uma construção, na qual o autor seleciona fatos, organizando-os de modo a contar sua história. Em segundo lugar, o texto memorialístico, por sua própria natureza, deve esclarecer certas questões centrais à sua constituição: quem nos fala, de onde, por que, como e o que nos fala.

A autobiografia

Segundo Philippe Lejeune (2008), a autobiografia é uma narrativa retrospectiva em prosa que o narrador faz de fatos marcantes de sua vida. Nesse sentido, o narrador deve ser uma pessoa real, pois na autobiografia o leitor espera que o horizonte de verdade seja pertinente. Além disso, para que haja autobiografia é necessário que a fórmula autor = narrador = personagem seja respeitada.
Ainda de acordo com o autor, o “pacto autobiográfico” é uma espécie de contrato entre o leitor e o autor de uma autobiografia, que se manifesta já na capa do livro:
“É, portanto, em relação ao nome próprio que devem ser situados os problemas da autobiografia. (...) É nesse nome que se resume toda a existência do que chamamos de autor: única marca no texto de uma realidade extratextual indubitável, remetendo a uma pessoa real, que solicita, dessa forma, que lhe seja em última instância, atribuída a responsabilidade da enunciação de todo o texto escrito.” (Lejeune, P.: 2008, p. 23)
Dessa maneira, uma autobiografia sem uma capa que a identifique, não possui a marca que nos leve a concluir que estamos lendo uma história verídica.

O diário

O diário compartilha muitas semelhanças com a autobiografia definida anteriormente por Lejeune. Tal como a autobiografia, o diário possui a seguinte estrutura: identidade do narrador = identidade do personagem principal = identidade do autor.
Conforme já foi dito, a posição adotada pelo narrador da prosa memorialística é a perspectiva retrospectiva da narrativa. No entanto, nem todo texto que tenha tal perspectiva, é passível de verificação. Daí ressaltarmos mais uma característica própria da autobiografia que é comum ao diário:
“Em oposição a todas as formas de ficção, a biografia e a autobiografia são textos referenciais: exatamente como o discurso científico ou histórico, eles se propõem a fornecer informações a respeito de uma “realidade” externa ao texto a se submeter portanto a uma prova de verificação.” (Idem, p. 36)
“Vizinho” da autobiografia, o diário é um gênero constituído por certas particularidades, tais como: sua relação com o tempo, seu caráter fragmentado e sua utilidade.
Sobre sua peculiar relação com o tempo, podemos salientar que o diário, como o próprio nome nos diz, é uma forma de escrita cotidiana: sua matéria é o dia-a-dia e, por isso, ele reflete sucessivamente o presente. Tal relação com o tempo torna-o, para utilizarmos as expressões de Lejeune, uma “lista de dias” e uma “série de vestígios datados”: vestígios – porque referem-se ao seu caráter manuscrito e, por extensão, à caligrafia da pessoa que o escreveu e, até mesmo, a outros vestígios somados a este “vestígio original”, como flores secas, papéis etc. – com um suporte próprio, normalmente um caderno [1]. Além disso, a base de um diário é a data e, comumente, essa informação é a primeira a ser inserida na página. Ainda sobre a questão da data, é interessante observar uma importante distinção entre diário e autobiografia:
“(...) Um diário sem data, a rigor, não passa de uma simples caderneta. A datação pode ser mais ou menos precisa ou espaçada, mas é capital. Uma entrada no diário é o que foi escrito num certo momento, na mais absoluta ignorância quanto ao futuro, e cujo conteúdo não foi com certeza modificado. (...) Quando soa meia-noite não posso mais fazer modificações. Se o fizer, abandono o diário para cair na autobiografia.” (Ibdem, p. 260)
Seu caráter fragmentado fica visível não só pelas diferentes entradas, mas também pelos diversos temas que, por se espelharem no cotidiano, tornam-se eles próprios imprevisíveis. O diário é o espaço da escrita íntima (do “eu” para ele mesmo), cujo conteúdo, muitas vezes secreto, também é destinado, num primeiro momento, a quem o escreve.
Dentre as utilidades possíveis de um diário, Lejeune menciona as seguintes: a conservação da memória – o escritor pode querer no futuro reencontrar elementos do seu passado –; sobrevivência – o escritor pode também querer deixar seu legado para ser lembrado pelas gerações futuras –; desabafo; autoconhecimento; resistir às adversidades da vida – ou até mesmo a situações-limite, como a vivenciada por Anne Frank –; pensar – alguns escritores gostam de manter um diário para acompanharem seus processos de criação – ; e, por fim, escrever – alguém que goste simplesmente de escrever e tem prazer nisso.
***
Autobiografia e diário são gêneros diferentes, mas possuem em comum o fato de trabalharem com uma forma específica de narrativa (a prosa) e remeterem a uma temporalidade inscrita no campo da memória (o passado), tendo como eixo norteador o relato de vida de um “eu”. E são, justamente, essas características que os fazem compartilhar a denominação “prosa memorialística”.
Notas:
[1] Convém ressaltar que me refiro aqui a uma forma manuscrita de texto, mas que nada impede de incluir nesta categoria, apesar do suporte diferente, os blogs.


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Clarice Lispector

Queridos,
recebi essas imagens hoje de um amigo e gostaria de compartilhá-las com vocês. São lindas, né?

Então, o que me dizem?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Revista Eletônica do Vestibular (UERJ)

Queridos,
achei muito bacana essa publicação eletrônica da UERJ, por isso recomendo a leitura para vocês.
O endereço da revista, http://www.revista.vestibular.uerj.br/ , a partir de hoje, vai constar nos links sugeridos pelo Blog.
Para aqueles que estão prestando vestibular, um passeio pela revista é extremamente valioso. Para o pessoal de Letras, o colunista da revista é o professor, escritor e ensaísta Gustavo Bernardo, ou seja, uma boa leitura garantida.
A seguir, coloco um trecho da proposta editorial da revista para vocês:
"A Revista Eletrônica do Vestibular da Uerj é uma publicação online, de periodicidade quadrimestral, criada com o objetivo de estabelecer um canal permanente entre a universidade e o público do ensino médio em geral. Por meio da interatividade presente em todas as suas seções, alunos e professores poderão aprofundar o contato com a comunidade acadêmica. Seu conteúdo está estruturado por seções como colunas, entrevistas, carreiras e textos comentados. Além disso, as questões de prova do Vestibular Estadual são apresentadas com comentários das respectivas bancas elaboradoras."
Então, o que me dizem?

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Movimento Tropicalista

Por Luciana Messeder


Antecedentes

No ano de 1964 foi instalado no Brasil o regime militar e, com ele, um clima de insegurança e indefinições se instaurou no meio cultural e artístico, uma vez que as demonstrações de poder do novo regime, desde o início, configuraram-se de modo violento e arbitrário.
Para entendermos a dimensão dessas primeiras intervenções políticas, precisamos ter em mente que os debates que mobilizavam a sociedade brasileira pouco antes do golpe de 64 giravam em torno de questões extremamente polêmicas como reforma agrária, alfabetização em massa (e a conseqüente legitimação eleitoral de quase metade da população brasileira), modernização do país e novos rumos de sua política externa.
Tais discussões fervilhavam nos jornais da época e causavam “arrepios” nas classes mais conservadoras da sociedade. O medo do advento do comunismo, da aprovação da lei do divórcio, da instauração da reforma agrária etc., fazia com que essa parcela da população se mostrasse bastante incomodada e preocupada com o futuro do país. Aproveitando tal circunstância, as forças direitistas se mobilizaram e, numa estratégia defensiva, conseguiram, apelando para os valores tradicionais arraigados na classe média, a organização de passeatas, como as “marchas da família com Deus pela Liberdade”, que clamavam pela manutenção da ordem, pela integridade do país, bem como pela preservação de suas instituições e de suas tradições cristãs.
Assim, uma das primeiras medidas do governo Castelo Branco foi a de atender o clamor da pequena burguesia e demonstrar que o perigo comunista e anticlerical seria combatido de maneira eficaz. Os militares alegaram que ideologia esquerdizante havia crescido muito e que era preciso agir estratégica e vigorosamente para silenciar essa massa popular que ousava se organizar. Dessa forma, iniciaram-se as perseguições aos sindicalistas, operários, camponeses e militares insurgentes: era necessário e urgente massacrar toda e qualquer ameaça à “ordem” e ao “progresso” do país.
Se a primeira ação do novo governo foi o corte entre os movimentos populares, espantosamente desenvolvidos nos anos que antecederam o golpe, e os movimentos de esquerda que mantinham contato direto com esses grupos, torna-se interessante observar que, mesmo com a adoção de medidas repressivas e violentas já nos seus primeiros anos, o regime militar, para a surpresa de todos, poupou boa parte da intelectualidade de esquerda de classe média, formada por profissionais liberais (professores universitários, críticos, jornalistas, artistas etc.), permitindo, com algumas restrições, a circulação de suas idéias e de suas produções artísticas (que durante o período compreendido entre 1964-1968, irão experimentar um crescimento excepcional).
Será, portanto, nesse contexto de relativa liberdade artística que surgirão, no ano de 1967, as primeiras manifestações daquilo que se tornará conhecido por movimento tropicalista.

Movimento tropicalista: “Por que não?”

Em outubro de 1967, no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, durante as apresentações de Caetano Veloso e Gilberto Gil, figuras ainda pouco conhecidas do público e do meio artístico nacional, nascia o movimento tropicalista.
As canções “Alegria, alegria” e “Domingo no parque”, apresentadas naquela ocasião, traziam consigo uma série de procedimentos nunca vistos antes na música popular brasileira, tornando-as, assim, matéria de estranhamento para o público e para a crítica especializada.
Público e crítica possuíam em comum um horizonte de expectativas bem delimitado, pois no cenário musical da época, vigoravam duas grandes correntes musicais que além de rivalizarem no plano musical propriamente dito, davam forma também à polarização ideológica manifesta na sociedade brasileira: Direita X Esquerda.
Tudo o que não estivesse comprometido com uma política participante, engajada, era considerado de “Direita”. Assim, a corrente musical que ficou conhecida como Ie-Ie-iê era considerada deveras lírica e alienada. Nela estavam englobados artistas como Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia, que faziam parte da chamada Jovem Guarda. As composições da “turma do Ie-ie-iê” eram influenciadas pelo rock-and-roll norte-americano e inglês e possuíam letras leves, divertidas, que retratavam o universo juvenil de forma swingada, agradável e dançante. A segunda corrente, representante da “Esquerda”, era engajada politicamente e suas canções eram marcadas por letras de protesto e de denúncia das misérias da realidade brasileira. Muitos artistas da época, tais como Geraldo Vandré, Elis Regina, Jair Rodrigues, Chico Buarque, Edu Lobo, dentre outros, vincularam-se à sua proposta engajada.
Dessa maneira, quando as canções de Caetano e Gil apareceram no Festival, essas duas correntes (e seus respectivos públicos na platéia) não entenderam nada. Perguntavam-se: o que era aquilo? Que pessoas estranhas e que músicas eram aquelas?!

“Alegria, alegria”

Quando Caetano Veloso surgiu no palco vestido com um terno xadrez marrom e uma camisa de gola rulê (os artistas naquela época tinham o costume de se apresentar de smoking), acompanhado por um grupo de jovens cabeludos, vestidos de cor-de-rosa, carregando guitarras elétricas, a platéia iniciou uma vaia furiosa.
(Dica: Que tal uma pesquisa no youtube para assistir aos vídeos das apresentações de "Alegria, alegria" e de "Domingo no parque"? Vale a pena!)
Caetano e os Beat Boys ignoraram a recepção e rapidamente iniciaram a execução da música, que tinha como introdução uma série de acordes de guitarra elétrica. O público, confuso, fez silêncio.
“Alegria, alegria” era uma música que falava de leveza: um jovem caminhando à toa, “sem lenço e sem documento”, “num sol de quase dezembro”, sem grandes preocupações e com alguns desejos. (De acordo com Caetano Veloso, a música foi pensada desde o início como uma “anti-Banda”, numa referência à música ganhadora do Festival de 1966, composta por Chico Buarque. O compositor baiano decidiu contrapor à cidadezinha do interior de contornos oitocentistas aludida pela música de Chico Buarque, um aspecto cosmopolita com marcas do século XX).

Álbum Caetano Veloso (1968), que contém a primeira gravação de "Alegria, alegria"
.
O cenário é urbano, o jovem caminha pela cidade, passa por “bancas de revista” e a cena corriqueira é reforçada por palavras que enfatizam o sentido de atualidade dos fatos políticos e sociais (“crimes”, “espaçonaves”, “guerrilhas”, “caras de presidentes”, “bandeiras”, “bombas”) e da sociedade de consumo e entretenimento (“Cardinales”, “grandes beijos de amor”, “Brigitte Bardot”, “bancas de revista”, “coca-cola”, “canção”, “televisão”). Tais palavras, enumeradas quase que de forma caótica, apresentam um mundo fragmentado, no qual a política e o aspecto social não ganham mais relevância que os indicadores da sociedade de consumo. No final da canção, percebemos que esses dois pólos continuam em pé de igualdade, pois possuem a mesma força e, assim, se neutralizam.
O jovem segue sua caminhada indiferente à tensão política X entretenimento, resoluto (“eu vou”), desejando talvez “cantar na televisão” e “seguir vivendo”. A canção termina com a pergunta “Por que não?” repetida duas vezes, que para o crítico Augusto de Campos significa um desabafo-desafio: Por que não inovar, misturar estilos e experimentar na música popular brasileira?

Álbum Gilberto Gil (1968), que contém a primeira gravação de "Domingo no parque".


Álbum Tropicália ou Panis et circensis (1968), dos Mutantes: criação coletiva.

Se analisarmos algumas músicas seminais do movimento, tais como “Domingo no parque”, “Panis et circencis”, dentre outras, tendo em mente o contexto sócio-histórico-musical da época, perceberemos que o movimento tropicalista representou muito mais do que a criação de músicas e arranjos inovadores para o seu tempo.
Os tropicalistas extrapolaram o plano musical ao colocar em suas letras de música reflexões atualíssimas sobre Brasil, identidade nacional, valores tradicionais, juventude, dentre outros temas por eles abordados, tornando possível o diálogo entre os diferentes setores da sociedade. Suas músicas mostram o impasse entre as polarizações da época (direita X esquerda) e, por conseguinte, o empobrecimento da discussão que se efetuava no país na segunda metade da década de 1960.
Como uma brisa revigorante, o movimento tropicalista vai arejar o cenário intelectual brasileiro, superando tal impasse pelo viés da música comercial, da cultura pop, do humor e do experimentalismo.
As músicas tropicalistas, no fundo, tratam de um mesmo tema: a questão da liberdade. Uma liberdade plena que na proposta tropicalista deve ser conquistada em todos os níveis: estético, político, econômico, comportamental e sexual.


quarta-feira, 29 de julho de 2009

Uma Lição de Modesto Carone

Não sei se vocês sabem, mas um dos meus livros preferidos é O Castelo, de Franz Kafka. Meu exemplar possui a tradução de Modesto Carone, considerado não só o maior tradutor de Kafka no Brasil, como também um dos seus mais importantes comentadores. Ao ler a Folha de São Paulo no último dia 19, encontrei uma belíssima surpresa que dividirei a seguir com vocês: um trecho do novo livro desse admirável escritor/tradutor, Lição de Kafka, que será publicado no final desse mês pela Companhia das Letras. Anotações breves sobre um conto curto ENSAIO INÉDITO ANALISA FÁBULA EM QUE KAFKA CONSTRÓI O MONÓLOGO DE UM RATO DIANTE DE UMA ESCOLHA "RACIONAL"
Entre os contos de Kafka, consta pelo menos um que é pouco conhecido. Referimo-nos a "Pequena Fábula":
"Ah", disse o rato, "o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro". -"Você só precisa mudar de direção", disse o gato, e devorou-o.
Trata-se de uma fábula porque nesse relato intervêm animais falantes. Mas não existe aqui -como é o caso da tradição das fábulas- uma moral explícita da história no final. A ausência dessa moral da história levou muitos intérpretes a não aceitarem que o caso é de fábula, embora o título seja esse, e sim de uma parábola, que apresenta a história como se ela estivesse ao lado de outra, com a qual estabelece relações de analogia.
Basicamente o texto é um monólogo do rato. O monólogo -sempre expressão do isolamento- começa com uma interjeição (Ah!). Essa interjeição no entanto é logo absorvida no relato de algo experimentado antes (o mundo era vasto, mais amplo que agora). A repetição da primeira pessoa (eu) e as expressões "medo" e "feliz", que exprimem afetos e se contradizem mutuamente, provocam o leitor a algum tipo de participação. As experiências do rato são apresentadas como sendo ativas só uma vez: "Eu via".
As demais são vividas passivamente: o mundo torna-se mais estreito, as paredes convergem uma para a outra, lá no canto fica a ratoeira. Tudo se passa como se o rato se visse num processo que corre com autonomia, naturalmente, sem intervenção do personagem narrador. O resto deve, assim, submeter-se à noção de que a sua situação é sem saída. O rato sempre foi movido -impulsionado- pelo medo; é isso que o faz correr para a frente, para o que é amplo e vasto, e perder-se no que é necessariamente estreito.
O fecho lacônico da peça tem uma precisão lógica que não é necessariamente cínica, e aparece sob a forma de um conselho desinteressado. O verbo "devorou" ("frass", do verbo "comer" destinado aos animais) assinala um acontecimento esperado num lugar inesperado e assume sua força no momento em que alcança uma nova dimensão que parecia faltar ao texto.
O que Kafka diz nessa micronarrativa? Diz, entre outras coisas, que a última saída da razão leva à ruína.
Ou seja: que todos os esforços para superar o medo e a derrocada significam apenas gradações da falta de liberdade objetiva do mundo. Para o rato não existe escolha, ou melhor: essa escolha só pode se dar entre as alternativas de submeter-se à violência da ratoeira ou à violência do gato. Nas "Conversações com Kafka", de Gustav Janouch, o poeta de Praga afirma, a certa altura, o seguinte: "Existe muita esperança, mas não para nós".
Era esse o teor, a base, da sua dialética negativa – e não há como discordar da coerência do humor negro contido nesta fábula.
(Texto extraído do jornal Folha de São Paulo, de 19 de julho de 2009.)
Então, o que me dizem?

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Imagens das Férias

Queridos,
passei alguns dias em Vassouras, interior do estado do Rio de Janeiro, e pude conferir o Festival Vale do Café 2009, que recomendo a todos. Foi ótimo!
Para quem não conhece, Vassouras é uma cidade importantíssima para a história do café no Brasil. Conhecida como a “cidade dos barões”, ela teve seu apogeu na segunda metade do século XIX.
O evento Cortejo de Tradições aconteceu no último sábado dia 25 de julho, na praça Barão de Campo Belo, no centro histórico da cidade.

Na praça Barão de Campo Belo, com a Matriz Nossa Senhora da Conceição ao fundo
A seguir coloco algumas imagens registradas por mim da lindíssima apresentação de jongo (patrimônio cultural imaterial registrado pelo IPHAN) realizada pela comunidade quilombola da Fazenda São José, de Valença.

"O jongo é uma forma de expressão afro-brasileira que integra percussão de tambores, dança coletiva e práticas de magia."
"É praticado nos quintais de periferia urbana e de algumas comunidades rurais do sudeste brasileiro."

"O jongo é uma forma de louvação aos antepassados, consolidação de tradições e afirmação de identidades."

"Tem suas raízes nos saberes, ritos e crenças dos povos africanos, principalmente os de língua bantu."

"São sugestivos dessas origens o profundo respeito aos ancestrais, a valorização dos enigmas cantados e o elemento coreográfico da umbigada."
"No Brasil o jongo consolidou-se entre os escravos que trabalhavam nas lavouras de café e cana-de-açúcar, no sudeste brasileiro, principalmente no vale do Rio Paraíba. Nos tempos da escravidão, a poesia metafórica do jongo permitiu que os praticantes da dança se comunicassem por meio dos pontos que os capatazes e senhores não conseguiam compreender. Sempre esteve assim, numa posição marginal onde os negros falam de si, de sua comunidade, através da crônica e da linguagem cifrada.” (Texto extraído do Portal do IPHAN)
Para saber mais sobre o jongo, acesse: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?retorno=detalheInstitucional&sigla=Institucional&id=13183
Então, o que me dizem?

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Boas Férias!!!

Queridos,
aproveitem bastante as férias!
Descansem, relaxem, leiam coisas legais, enfim, recarreguem as energias.
A propósito, eu já sei como vou recarregar as minhas, olha só:

Nada como um banho de cachoeira, né?

Beijos,

Luciana

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Bem-vindos, alunos da UFRRJ!

Olá queridos,
sejam bem-vindos ao blog!
Olhem como ficaram bonitinhas as nossas fotos!
Obrigada a todos pelo carinho, tá?
Gostaria de aproveitar para dizer que foi um enorme prazer ser professora de vocês durante esse período letivo!
Beijos para todos,
Luciana

Turma de Pedagogia

Turma de Pedagogia e eu

Turmas de Letras (Port.-Esp. e Port.-Liter.) e eu

Professores e alunos de Letras durante a Semana Acadêmica

Turma de Direito e eu

Turma de Direito, agora com o Marcelo!



Então, o que me dizem?

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Imagens da escravidão

Queridos,
quantas saudades!
Semana que vem continuaremos o estudo do Romantismo no Brasil, viu?
Então, para vocês irem se preparando, coloco a seguir algumas imagens da escravidão no Brasil, ok?
Algumas vocês já viram na aula passada, outras são novidades.
Que tal vocês postarem nos comentários algumas leituras dessas imagens?

Então, o que me dizem?

quinta-feira, 19 de março de 2009

Datas Comemorativas de 2009

Queridos,
a seguir coloco as datas comemorativas do ano de 2009 com algumas sugestões de sites para vocês se aprofundarem sobre os assuntos listados. Não deixem de fazer uma leitura atenta de cada uma dessas datas, pois elas têm grandes chances de cair no vestibular (ou como tema de redação ou como assunto de questões de provas como História, Geografia, Literatura, Química, Biologia etc).
Lembro que duas datas colocadas no ano passado foram temas de redação (Estatuto da Criança e do Adolescente e Declaração dos Direitos Humanos).
Não sei se me lembrei de todas, portanto, quem se lembrar de outras datas importantes, por favor, me avise, ok?
Boa leitura!
25 anos da criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
50 anos da morte de Villa-Lobos
Vejam também aqui no blog:
70 anos do início da Segunda Guerra Mundial
Vejam o post:
100 anos da morte de Euclides da Cunha
100 anos de Burle Max
20 anos da criação da internet
(Leiam também os links indicados na página sobre os 30 anos do CD, os 40 anos do mouse, os 10 anos do Google e o primeiro vírus da internet há 20 anos)
30 anos da Lei de Anistia
25 anos das Diretas Já e 20 anos da primeira eleição presidencial depois da ditadura militar
40 anos do homem na Lua
(Pessoal, não deixem de navegar pelas edições antigas da Revista Veja! Elas estão ao lado da matéria.)
200 anos do nascimento de Darwin
(Aqui vocês encontrarão uma série de artigos reunidos sobre Charles Darwin. Pessoal da Medicina: não deixem de ler!)
120 anos da proclamação da República
(Leiam a entrevista e naveguem pelos links sugeridos.)
220 anos do primeiro presidente americano eleito (George Washington)
220 anos da Revolução Francesa
Muito interessante essa matéria especial sobre a Revolução Francesa e a educação:
(Leiam também o artigo Lavoisier e a outra Revolução Francesa, sobre o surgimento da Química moderna, em http://super.abril.com.br/superarquivo/1989/conteudo_111735.shtml )
220 anos da Inconfidência Mineira
145 anos do começo da Guerra do Paraguai
100 anos de Carmem Miranda
80 anos da Crise de 29
20 anos da Queda do Muro de Berlim
20 anos do Massacre na Praça Celestial na China
Assistam ao especial do Fantástico em
Então, o que me dizem?

segunda-feira, 16 de março de 2009

Um passeio pela História da Arte (Parte I)

Queridos,
coloco a seguir as imagens utilizadas na aula desta semana.

Laocoonte e seus filhos (175-50 a.C.), Hagesandro, Atenodoro e Polidoro de Rodes.

A ressureição de Lázaro (520 d.C.), mosaico da Basílica de Santo Apolinário, Ravena.

A Santíssima Trindade com a Virgem, S. João e doadores (1425-8), de Masaccio.

Os esponsais dos Arnolfini (1434), de Jan van Eyck.

Tomé, o Incrédulo (1602-3), de Caravaggio.
Então, o que me dizem?

sexta-feira, 13 de março de 2009

Link para as trinta dicas infalíveis

Queridos alunos, não deixem de conferir o post: http://parameusalunos.blogspot.com/2008/08/trinta-dicas-infalveis-para-escrever.html

O Parágrafo (Revisão)

Olá queridos,coloco a seguir o material que havia prometido a vocês.
O PARÁGRAFO
É uma unidade de composição constituída por um ou mais de um período, em que se desenvolve determinada idéia central (tópico frasal), a que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela.(Othon M. Garcia)
PARÁGRAFO = T. F. + DESENVOLVIMENTO DO T. F.
É essa relação que garante a UNIDADE do parágrafo
IDÉIA CENTRAL = TÓPICO FRASAL (INTRODUÇÃO do parágrafo que expressa a idéia-núcleo que será desenvolvida)
QUALIDADES DO PARÁGRAFO
CORREÇÃO GRAMATICAL – Concordância (verbal e nominal); conjugação verbal; ortografia; acentuação; pontuação.
UNIDADE – Pode ser em grande parte conseguida com o T. F.: uma só idéia predominante. Dizer uma coisa de cada vez, omitindo o que não é essencial ou não se relaciona com a idéia-núcleo (T. F.). Evitar: fragmentar o desenvolvimento da mesma idéia-núcleo em vários parágrafos; pormenores impertinentes (digressões); acumulações de informações e frases entrecortadas.
COERÊNCIA – É a relação entre a idéia-núcleo (T. F.) e as secundárias (desenvolvimento). Ordenação das idéias de maneira lógica; proposições igualmente lógicas.
COESÃO – Utilização adequada de pronomes e de elipses; reiteração por meio de sinônimos; correlação de tempos verbais; conexão entre as orações (interligação das idéias por meio de conectivos).
CONCISÃO – Evitar a prolixidade e os detalhes supérfluos; não sobrecarregar a frase com adjetivos e advérbios; lembrar que “menos é mais”.
CLAREZA – ordenação lógica das idéias; linguagem simples e eficiente; ordem direta, paralelismo semântico e sintático; períodos curtos. Evitar ambigüidades e redundâncias.
☺ Se a redação é um conjunto de idéias associadas, cada parágrafo (no DESENVOLVIMENTO) deve corresponder a cada uma dessas idéias. É da divisão do assunto que depende a extensão do parágrafo. No caso de uma redação de 25 linhas, por exemplo, pode-se pensar em cinco parágrafos (1º introdução, 2º, 3º e 4º desenvolvimento e 5º conclusão).
☺ O núcleo do parágrafo de uma dissertação deve ser uma idéia. O de uma narração deve ser um incidente (episódio curto), e o de uma descrição, um quadro (um fragmento de paisagem ou ambiente num determinado instante, entrevisto de determinada perspectiva).

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Artigo "Não lê por quê?", de Renato Mezan

Continuando nosso debate, com o artigo do psicanalista Renato Mezan, para o jornal Folha de São Paulo, publicado em 25 de janeiro de 2009:
Não lê por quê?

Desdém do presidente pela leitura, que não se justifica pelas origens humildes, presta um desserviço ao Brasil
Uma frase dita pelo presidente Lula em sua entrevista à revista "Piauí" deste mês vem dando o que falar: não é por falta de tempo que não lê blogs, sites, jornais ou revistas, mas porque tem "problema de azia".
A observação provocou reações de jornalistas e colunistas, e é provável que tenha causado mal-estar na comunidade acadêmica, assim como entre os brasileiros com maior nível cultural. Nenhuma ideia pode ser examinada sem referência ao seu contexto. O presidente não estava falando das virtudes ou malefícios da leitura em geral, mas apenas do efeito que tem sobre ele o noticiário, em especial o político; assim, seria descabido inferir do que disse uma suposta opinião negativa da sua parte sobre o ato ou o costume de ler. Contudo, nos parágrafos seguintes à declaração -que também delimitam o contexto dela-, fala do seu lazer: ora, se deste fazem parte "pescar, jogar cartas, conversar", brilha pela ausência qualquer menção à leitura de livros e, igualmente, a qualquer outra atividade cultural.
Dirá o leitor que isso se deve à sua origem humilde? Além de ser uma generalização indevida, tal explicação deixa de lado o fato de que muitas pessoas nada abonadas frequentam shows, veem filmes de apelo popular, visitam exposições divulgadas pela mídia ou vão ouvir música erudita, quando essas coisas são oferecidas a preços que cabem no seu bolso ou mesmo gratuitamente.
Horas na fila
Que o diga quem esperou horas para entrar na exposição de Rodin, espremeu-se nas filas de "Dois Filhos de Francisco" e "Tropa de Elite" ou se dispõe a enfrentar a multidão que acorre ao parque Ibirapuera para ouvir as orquestras estrangeiras que de vez em quando se apresentam no parque. Atenhamo-nos, porém, ao capítulo livros. É certo que alguém pode se informar pela televisão ou por resumos preparados por assessores sobre assuntos de interesse dos seus chefes -metade da matéria da revista é dedicada a Clara Ant, que faz esse trabalho para o presidente. Mas nem briefings nem meios eletrônicos podem substituir o livro, e isso por ao menos duas razões. A primeira é que ver imagens ou ouvir alguém falando põe em jogo capacidades psíquicas diferentes das requeridas para lidar com um texto longo. Além de concentração muito maior, a extensão de um livro comum torna impossível apreender seu conteúdo de uma única vez.
O hábito de ler favorece portanto a retenção de dados e treina a memória para reconhecer e acessar, entre seus inúmeros arquivos, aqueles que permitem estabelecer continuidade entre o que se leu antes e o que se está lendo agora. A segunda é que, como contém num volume reduzido um enorme número de informações, o livro possibilita, no trato dos seus temas, uma abrangência que nenhum artigo ou vídeo pode igualar. É o espaço do debate entre ideias complexas, do relato minucioso, da descrição precisa do que o autor julga importante comunicar. Isso permite o trânsito entre níveis diferentes de abstração, entre o detalhe e o quadro do qual faz parte, entre os elementos isolados e a síntese que lhes dá sentido.
Um mau modelo
Mas não é por essas qualidades dos livros que lamento a ausência deles no cotidiano de Lula. É porque, com a influência que têm suas palavras e atitudes, o fato de não demonstrar o menor interesse pela palavra impressa transmite uma mensagem nefasta a quem nele confia e nele se espelha. Todos sabem que é um excelente comunicador: se insistisse na importância dos livros, se utilizasse em suas falas exemplos e referências tirados do que leu, podemos estar certos de que isso teria efeito benéfico sobre os milhões de brasileiros que passam anos, ou a vida inteira, sem jamais segurar nas mãos um volume, quanto mais abri-lo e se inteirar do que ele contém.
O presidente já disse muitas vezes que não ter estudado não o impediu de chegar aonde chegou. Eis outra frase infeliz: não é porque teve parca instrução formal, mas apesar dessa falta, que obteve seus sucessos. Ao mencioná-la como se fosse algo positivo, contribui -mesmo que não seja essa a sua intenção- para desprestigiar ainda mais tudo o que está ligado à educação. A situação calamitosa do ensino no Brasil em nada melhora quando o modelo identificatório que o presidente Lula representa para tanta gente sugere nas entrelinhas que estudar não é necessário.
Essa atitude blasée, ao contrário, me parece particularmente perniciosa para os jovens, muitos dos quais, por razões que não cabe aqui explicitar, têm atualmente pela leitura uma aversão que beira a fobia. O que está em jogo aqui não é a visão utilitária segundo a qual o estudo é o caminho da ascensão social, mas a importância dele (e da leitura) para criar cidadãos menos permeáveis à manipulação pelos órgãos de informação, da qual o próprio presidente se queixa na entrevista.
Diz Lula que é admirador de Barack Obama e crítico contundente de George W. Bush. No entanto o descaso com os livros e com o que eles significam o aproxima deste, e não daquele. Uma das pérolas proferidas pelo texano foi endereçada aos estudantes da universidade em que se formou (Yale) e na qual teve desempenho medíocre: "Vocês, alunos que tiram C, também podem pretender ser presidentes dos EUA".
Em contraste, Obama – que em seus tempos de Harvard dirigiu a revista da Faculdade de Direito – tem o maior respeito pelos livros, graças aos quais pôde adquirir uma sólida base intelectual para suas convicções progressistas.
Só carisma não resolve
Sem a frequentação deles, não teria podido citar em seu discurso de posse a Bíblia e palavras de George Washington, não saberia se servir das alusões e metáforas que abrilhantaram sua fala nem demonstraria o seguro conhecimento da história do seu país, assim como da situação de povos estrangeiros, que evidentemente possui. É certo que sem seu carisma e sem a habilidade retórica que soube desenvolver nada disso teria produzido o entusiasmo que se viu, mas também seria tolo negar que a qualidade literária e a construção caprichada do discurso têm algo a ver com o efeito que teve mundo afora. E não se objete que foi redigido por assessores: no dia seguinte, os jornais davam conta de que foi o próprio Obama quem estabeleceu o roteiro básico e deu ao texto a última demão de tinta. Lula não é o tabaréu que alguns pretendem (o jornalista Mario Sergio Conti, a quem ele concedeu a entrevista, diz que o site da revista "Veja" na internet o mima frequentemente com o epíteto de apedeuta, que significa ignorante).
Mas é certo que, se tivesse um pouco mais de apreço pela letra de forma, evitaria meter-se em algumas situações constrangedoras e faria um grande bem ao povo "deste país".
Então, o que me dizem?

Entrevista do Presidente Lula na Revista Piauí

Olá queridos alunos,
este post e o próximo tratarão do mesmo tema: a entrevista do presidente Lula e suas repercussões. Trabalharemos em sala de aula na semana que vem um texto do antropólogo Roberto DaMatta, que também discorrerá sobre o assunto.
Para começar nossa conversa, desejo que vocês leiam alguns trechos polêmicos da matéria O PRIMEIRO E O TERCEIRO PODER – AZIA, OU O DIA DA CAÇA, de Mario Sergio Conti, publicada pela Revista Piauí, que pode ser lida na íntegra em http://www.revistapiaui.com.br/edicao_28/artigo_859/Azia_ou_o_dia_da_caca.aspx
“(...)
Quando chefiou a equipe técnica do Planalto que fez uma visita de trabalho à Casa Branca, em maio de 2005, Clara Ant viu em Washington como o Departamento de Estado monitora os interesses americanos ao redor do mundo, e reforçou a convicção de que só deveria escrever sugestões curtas ao seu chefe, o presidente Lula.
'A Watch Room é imensa, funciona 24 horas por dia, e tem dezenas de funcionários, que acompanham estações de rádio e televisão, a internet, relatórios de embaixadas e consulados e juntam todas as informações que digam respeito aos Estados Unidos', contou Clara Ant, há mais de dois anos. 'Todos os dados são encaminhados à Analysis Room, onde outras dezenas de pessoas comparam, checam e consolidam o que foi coletado.'
O trabalho das duas salas dá origem, uma vez por semana, a um relatório, que é colocado na mesa da secretária de Estado Condoleezza Rice. “O relatório tem uns três ou quatro parágrafos, de três frases cada”, disse a assessora especial de Lula, e completou com veemência: 'É por isso que fico uma arara quando jornalistas mal informados, ou de má-fé, dizem que o presidente lê coisas curtas porque é preguiçoso.'
(...)
O presidente não lê blogs nem sites. Mais: não lê nem jornais nem revistas. E não é por falta de tempo. Simplesmente não quer ler. Por quê? “Porque eu tenho problema de azia”, respondeu. Mesmo afirmando que o jornalismo lhe faz mal ao fígado, o presidente repetiu duas vezes que a sua ascensão à presidência “é produto direto da liberdade de imprensa”.
No dia-a-dia, ele se informa em conversas de meia hora, no início da manhã, com o ministro Franklin de Oliveira, que lhe conta o que foi noticiado. Perguntei se, para sentir o ambiente político, ou mesmo o humor de setores da população, não seria melhor ler diretamente no noticiário político. “Quando sai alguma coisa importante, a Clara ou o Franklin me trazem o artigo, ou mesmo o vídeo de uma reportagem de televisão”, disse.
Mesmo nos fins de semana, fica longe de revistas, jornais e noticiosos? Lula respondeu que a privação de notícias lhe é essencial: “Recomendaria a qualquer presidente que se afaste dos políticos e da imprensa nos fins de semana.” Nos dias de folga, o presidente pesca, joga cartas, conversa com os filhos e amigos – desde que não sejam políticos nem estejam no governo.
(...)
Sem a imprensa, o presidente se considera muitíssimo bem informado. 'Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns trinta jornais na cabeça todo santo dia', disse. 'Não há hipótese de eu estar desinformado.'"
Então, o que me dizem?

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Artigo "Trotes de Calouros", de Contarto Calligaris

TROTES DE CALOUROS
NA MINHA terceira viagem ao Brasil, num verão dos anos 1980, vi pela primeira vez, nos faróis, jovens de cabeça raspada e tinta espalhada pelo corpo e pelo rosto. Pensei que fizessem parte de um bloco carnavalesco. Não imaginei que a prática do trote de calouros ainda existisse no país.
Na Europa, no passado, essa prática tinha sido brutal: na Itália, os alunos "anciões" se reuniam em confrarias e vendiam proteção aos calouros, que compravam salvo-condutos para poder circular livremente. Alguns estudantes permaneciam na universidade para sempre, sem formar-se, e ganhavam a vida explorando os novatos. Esse sistema acabou bem quando eu entrei na faculdade; dele, na Milão de 1966, só sobravam restos miseráveis: dois repetentes crônicos mendigando cigarros pelos corredores da universidade. Depois de 1968, até esses restos sumiram. Por que o costume do trote de calouros cessou naqueles anos?
O trote é um rito de iniciação, pelo qual os calouros seriam aceitos na comunidade: "Somos da mesma turma: fomos todos calouros um dia". Eu preferiria que a turma universitária tivesse outra consistência, mas a gente sabe que os adolescentes almejam sentir-se integrados -a qualquer custo ou quase. Seja como for, em regra, quem está sendo iniciado sente na carne os efeitos do poder que ele mesmo será autorizado a exercer depois de sua iniciação.
Mas cuidado, no trote iniciático, não se trata apenas de forçar o calouro a experimentar os efeitos do poder que ele terá sobre os futuros novatos. O que mais importa, na iniciação, é que o calouro sinta na pele os efeitos do poder que o grupo exerce ou pretende exercer sobre todo o resto da sociedade.
Um exemplo. Imaginemos que, para entrar numa máfia, eu seja amputado de um dedo. Os candidatos futuros também serão amputados (por mim ou por eles mesmos), mas, antes de mais nada, minha iniciação deve me lembrar que a máfia, na qual estou entrando, arroga-se o direito de amputar os bens e a carne de todos os que não fazem parte da "família". Como isso se aplica ao caso dos calouros?
Pois é, no Brasil de hoje, a universidade ainda é um clube de "elite", cujos membros podem se sentir autorizados a tratar não só os calouros, mas os comuns mortais como bichos. Estou exagerando? Talvez, mas não há muitos países em que existe uma cadeia especial para universitários e outra para pés-rapados.
E, se isso não bastar, mais dois lembretes. Em dezembro passado, um grupo de alunos de medicina da Universidade Estadual de Londrina festejaram sua formatura iminente com bebedeira, rojões e sprays de espuma - isso, numa enfermaria cheia de pacientes (alguns em estado grave). Eles comemoraram seu ingresso na profissão médica esbanjando seu poder de zombar dos que lhes confiariam sua vida.
No começo deste mês, em Campinas, estudantes de direito, que estavam atormentando calouros, estenderam o tratamento a um morador de rua que foi raspado, pintado e batido. Eles expressaram sua alegria de futuros juristas abusando dos direitos básicos de um desamparado. Talvez o trote de calouros sempre tenha sido isto, mundo afora: a iniciação numa "elite" que se define pela brutalidade de seu privilégio e que transmite a seus novatos a arte de brutalizar os zé-povinhos.
A partir de 68, na Europa, por efeito da contracultura, ser universitário não foi mais um passaporte para o privilégio, mas uma responsabilidade social. Em 92, estudantes brasileiros pintaram a cara por uma razão diferente do trote: teria sido uma boa ocasião para eles deixarem de ver a celebração do duvidoso privilégio de esculachar os moradores do andar (social) de baixo. Não aconteceu: a selvageria da divisão social continuou falando mais alto.
Na Folha de domingo passado, José Goldenberg, ex-reitor da USP, observou que as instituições universitárias não podem intervir em acontecimentos que, em geral, são externos à faculdade. Discordo.
Não são tão "externos" assim: o trote compromete o próprio sentido do ensino, alimentando uma visão doentia do privilégio conferido pelo fato de frequentar uma universidade. A universidade e as próprias profissões às quais ela dá acesso deveriam, no mínimo, impor aos responsáveis pelos trotes uma formação suplementar: anos de serviço social e de cursos básicos de ética. Afinal, queremos uma "elite" que se ufana de seu privilégio e de seus abusos ou uma elite sem aspas?
Artigo de Contarto Calligaris publicado no jornal Folha de São Paulo de 19 de fevereiro de 2009.
Então, o que me dizem?

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

"Estudos para uma bailadora andaluza", João Cabral de Melo Neto

Olá pessoal,
durante a aula passada, usei como exemplo para análise estilística esse poema de João Cabral de Melo Neto, não é mesmo? Que tal uma leitura das primeiras 3 partes (estudos) do poema, percebendo os procedimentos estilísticos utilizados pelo autor para inserir nele o ritmo da dança flamenca e para construir as belíssimas metáforas para a bailadora e sua dança?
Para quem não conhece (ou quer conhecer mais) a dança flamenca, coloco a seguir o link de um vídeo do you tube http://www.youtube.com/watch?v=UXTHZN-8C5M (PROGRAMA ESPECIAL DANÇA FLAMENCA, ROTEIRO E DIREÇÃO: CYRO RIDAL).
Estudos para uma bailadora andaluza
I
Dir-se-ia, quando aparece
dançando por siguiriyas,
que com a imagem do fogo
inteira se identifica.
Todos os gestos do fogo
que então possui dir-se-ia:
gestos das folhas do fogo,
de seu cabelo, sua língua;
gestos do corpo do fogo,
de sua carne em agonia,
carne de fogo, só nervos,
carne toda em carne viva.
Então, o caráter do fogo
nela também se adivinha:
mesmo gosto dos extremos,
de natureza faminta,
gosto de chegar ao fim
do que dele se aproxima,
gosto de chegar-se ao fim,
de atingir a própria cinza.
Porém a imagem do fogo
é num ponto desmentida:
que o fogo não é capaz
como ela é, nas siguiriyas,
de arrancar-se de si mesmo
numa primeira faísca,
nessa que, quando ela quer,
vem e acende-a fibra a fibra,
que somente ela é capaz
de acender-se estando fria,
de incendiar-se com nada,
de incendiar-se sozinha.
II
Subida ao dorso da dança
(vai carregada ou a carrega?)
é impossível se dizer
se é a cavaleira ou a égua.
Ela tem na sua dança
toda a energia retesa
e todo o nervo de quando
algum cavalo se encrespa.
Isto é: tanto a tensão
de quem vai montado em sela,
de quem monta um animal
e só a custo o debela,
como a tensão do animal
dominado sob a rédea,
que ressente ser mandado
e obedecendo protesta.
Então, como declarar
se ela é égua ou cavaleira:
há uma tal conformidade
entre o que é animal e é ela,
entre a parte que domina
e a parte que se rebela,
entre o que nela cavalga
e o que é cavalgado nela,
que o melhor será dizer
de ambas, cavaleira e égua,
que são de uma mesma coisa
e que um só nervo as inerva,
e que é impossível traçar
nenhuma linha fronteira
entre ela e a montaria:
ela é a égua e a cavaleira.
III
Quando está taconeando
a cabeça, atenta, inclina,
como se buscasse ouvir
alguma voz indistinta.
Há nessa atenção curvada
muito de telegrafista,
atento para não perder
a mensagem transmitida.
Mas o que faz duvidar
possa ser telegrafia
aquelas respostas que
suas pernas pronunciam
é que a mensagem de quem
lá do outro lado da linha
ela responde tão séria
nos passa despercebida.
Mas depois já não há dúvida:
é mesmo telegrafia:
mesmo que não se perceba
a mensagem recebida,
se vem de um ponto no fundo
do tablado ou de sua vida,
se a linguagem do diálogo
é em código ou ostensiva,
já não cabe duvidar:
deve ser telegrafia:
basta escutar a dicção
tão morse e tão desflorida,
linear, numa só corda,
em ponto e traço, concisa,
a dicção em preto e branco
de sua perna polida.
Então, o que me dizem?

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Bem-vindos, alunos de 2009!

Olá novos alunos,
sejam bem-vindos ao blog!
Espero que ao longo de 2009 possamos trocar muitas experiências por meio deste espaço criado especialmente para vocês!
Para o início de nossas atividades, peço a todos uma reflexão sobre seguinte fragmento do ensaio "O direito à literatura", do crítico Antonio Candido:
“Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável"
Então, o que me dizem?

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Imagens das Férias - Parte 2

Olá pessoal,
mais algumas imagens do que eu andei "aprontando" durante as férias. Vida de professor não é mole não, gente! Minhas férias foram "parciais", rs. Trabalhei bastante também, só que na Unirio, meu outro trabalho.
Bom, meus ex-alunos e alunos mais antigos sabem que eu trabalho também com o curso de graduação em História da Unirio, modalidade a distância, né? Os novos só na semana que vem irão me conhecer...
Na Unirio sou a Coordenadora de tutoria do curso de História, ou seja, uma enorme responsabilidade, mas que eu adoro!
As fotos desse post foram tiradas no sábado, dia 7/02, durante a aula inaugural, na qual participei, para os alunos do pólo Resende.
Foi uma experiência muito bacana que desejo dividir com vocês!


Paisagem de Resende: cruzando o rio Paraíba do Sul



O público aguardando o início da cerimônia.

Reunida com os calouros do curso de História, após minha palestra.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Imagens das Férias - Parte 1

Olá queridos, saudades! Não é novidade nenhuma a alta incidência de raios no Estado do Rio de Janeiro, não é mesmo? Bom, apesar de não ser nenhuma fotógrafa profissional, nem minha máquina ser tão boa assim, olha só as fotos bacanas que eu tirei em menos de vinte minutos, tantos foram os raios que estavam ontem no céu.
Então, o que me dizem?

sábado, 24 de janeiro de 2009